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O Anel Náutico
Para permitir um maior rigor na medição da altura do Sol, Pedro Nunes imaginou um instrumento que ficou conhecido como anel náutico, anel astronómico ou anel graduado. A sua ideia vem descrita numa obra que fez publicar em 1573 em Coimbra, De arte atque ratione navigandi libri duo, onde o matemático lhe chama apenas astrolábio, pois a sua forma é muito semelhante à de um astrolábio náutico a que se retire a cruzeta central. O instrumento compunha-se simplesmente de um anel dotado de uma argola de suspensão que permitia mantê-lo na vertical. Possuía um orifício muito pequeno a 45º desse ponto de suspensão. Era alinhado de forma a deixar a luz do Sol passar por esse orifício e projectar-se sobre o interior do anel, que estava graduado. A altura do Sol era medida nessa escala. Há várias imagens antigas desse instrumento, mas a primeira que se conhece com algum pormenor e que nesse particular indicia a sua construção e uso é a que Manuel Pimentel inseriu na sua obra Arte de Navegar, publicada em Lisboa em 1712. As ilustrações anteriores que apareceram, tanto a original de Pedro Nunes de 1573 como a reprodução seguinte que se conhece, do Regimiento de Navigación do espanhol André Garcia de Cespedes, publicado em Madrid em 1606, são muito esquemáticas.
Pedro Nunes dá várias indicações práticas para a construção do instrumento. Indica que o anel devia ter a espessura de «um dedo» (medida da época que equivale a pouco menos de 2 cm), e insiste em que o orifício devia ter o menor diâmetro possível. Explica que era necessário «cortar uma certa porção em forma de ângulo», marcado na gravura GCF, de forma a que a luz pudesse passar pelo orifício, qualquer que fosse a posição do Sol. E diz que, «por causa daquela porção de metal que foi retirada do instrumento, o mesmo círculo fica menos pesado» desse lado; para o manter exactamente na vertical seria pois necessário compensar esse perca de peso e «retirar a mesma quantidade de metal da outra parte». A vantagem do anel náutico sobre um astrolábio normal seria, segundo Nunes, que as marcas na escala EBD «são neste instrumento duas vezes maiores do que seriam se sobre o centro rodasse uma alidade, como vemos no astrolábio habitual». O anel náutico baseia-se numa propriedade geométrica que Euclides demonstra na proposição 20 do livro III dos seus Elementos e que Nunes expressamente refere dizendo que o ângulo «que está na circunferência do círculo contém um arco duplo do que tem vértice no centro». Em linguagem moderna, dir-se-á que o ângulo ao centro, isto é, com vértice no centro do astrolábio, é duplo do ângulo inscrito, isto é, com vértice no ponto C. O anel náutico representa uma aplicação engenhosa da geometria e foi louvado por alguns estudiosos da época. No entanto, tinha um inconveniente que tornava ilusória a vantagem imaginada por Nunes: por mais diminuto que fosse o orifício, a luz projectada pelo Sol no interior do arco graduado nunca se podia reduzir a um ponto, dado que a nossa estrela não nos aparece como um ponto, mas sim como um disco. Como esse disco tem um diâmetro de cerca de meio grau, a imagem projectada ocupa pelo menos meio grau, o que reduz a precisão do instrumento. Esse inconveniente já não existiria no caso de se pretender medir a altura de estrelas, mas a luminosidade destas não é suficientemente forte para se projectar visivelmente através no arco graduado.
No invento de Nunes parece vislumbrar-se uma característica comum a muitos dos seus trabalhos. O cosmógrafopossui um domínio da geometria e da matemática e um extraordinário espírito criativo que o leva a conceber instrumentos imaginativos e potencialmente úteis. No entanto, admite-se que a sua inexperiência na utilização de instrumentos leve a que as suas propostas não sejam tão eficazes como imaginava. Muitas ideias base de Pedro Nunes, no entanto, podem e vêm mais tarde a ter aplicações frutuosas. Assim aconteceu com este instrumento, que não se revelou útil à navegação, mas que deu origem a vários outros, entre os quais o chamado semicírculo graduado. Este último, estava dotado de uma mira móvel que permitia apontar para uma estrela e ler a sua altura numa escala semelhante à do anel náutico. A ideia da duplicação do ângulo na escala de medida revelou-se, afinal, uma ideia frutuosa. Nuno Crato |
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