Tomé Rodrigues Sobral (1759-1829)


Frontispício de Tratado das Affinidades Chimicas, traduzido por Tomé Rodrigues.

Químico, mais conhecido como o “mestre da pólvora” e também como o “Chaptal português”, natural de Felgueiras, Moncorvo, nasceu a 21 de Dezembro de 1759, filho de João Rodrigues e Isabel Pires. Matriculou-se na Universidade de Coimbra, em Matemática e Filosofia, a 29 de Outubro de 1779. Foi ordenado presbítero na Arquidiocese de Braga em 1782, e concluiu o curso na Faculdade de Matemática e Filosofia em 26 de Junho de 1783. Foi demonstrador de História Natural a partir de Julho de 1986, substituto extraordinário para as cadeiras de Física em Outubro de 1786 e em Julho de 1788, História Natural em Julho de 1787 e Química em Julho de 1789. Sucedeu a Vandelli na direcção do Laboratório Químico em Janeiro de 1791, e foi nomeado Lente de Prima, proprietário da cadeira de Química e Metalurgia , ficando encarregado de elaborar o compêndio da cadeira, previsto nos Estatutos da Reforma da Universidade de Coimbra, de 1772, e que Vandelli nunca tinha elaborado.

Foi sócio da Academia das Ciências de Lisboa, Cavaleiro professo da Ordem de Cristo e deputado às Cortes Constituintes de 1821. Em 24 de Maio de 1828 foi nomeado vice-reitor da Universidade de Coimbra, não tendo chegado a aceitar o cargo por doença, morrendo um ano depois, em Setembro de 1829.

 

Actividade Científica

Encarregado de elaborar o compêndio de Química, apresentou a primeira parte do plano deste compêndio em Abril de 1793, e em Julho a parte restante. O compêndio foi apresentado à Congregação da Faculdade para avaliação e aprovação em 31 de Julho de 1794. Até 22 de Abril foram aprovados 243 parágrafos, mas a partir daí, não se sabe porquê, surgiram dificuldades com o texto restante, pelo que se chegou a 1798 sem aprovação do compêndio. Em 1798 e 1799 Sobral foi dispensado das aulas para poder concluir a elaboração deste manual. Em 1793 publicou-se o Tractado das Affinidades Chimicas, artigo que no Diccionario de Chimica, fazendo parte da Encyclopedia por ordem de materias, deu Mr. De Morveau, traduzido e prefaciado por Rodrigues Sobral. Estava previsto que esta tradução fosse feita por Vicente Coelho de Seabra, mas não se conhecem as razões desta alteração.

 

Enquanto o processo de elaboração e aprovação do futuro compêndio decorria, as aulas eram dadas pelo compêndio Fundamenta chemiae (Fundamentos de Química), de Giovanni Antonio Scopoli (1723-1788), tendo a Congregação adoptado em 1798 os compêndios de Jean Antoine Chaptal (1756-1832), Élements de Chimie, e de Joseph Franz Jacquin (1766-1839), Elementa Chemiae Universe et Medicae. Scopoli era um químico da escola flogística, anterior às alterações propostas por Lavoisier, que revolucionaram a ciência química. Entretanto Vicente Coelho de Seabra tinha elaborado os seus Elementos de Chimica, publicados em 1788 e 1790, em duas partes, que ofereceu à Sociedade Literária do Rio de Janeiro para o seu curso de Química. Este manual chegou a ser aprovado para impressão na Congregação da Faculdade de Filosofia mas, apesar de impresso pela Real Oficina da Universidade, não chegou a ser usado no curso de Química da Universidade de Coimbra, por razões que se desconhecem. Seabra era já nesta época um adepto da Química pneumática, como é bem notório nos seus Elementos de Chimica. Embora não sejam muito claras as posições de Sobral na década de 80 e no início da década de 90 sobre as teorias químicas de Lavoisier , a partir de finais desta década é já notória a sua adesão à Química do oxigénio (ou pneumática), que entretanto se difundira e de que Vicente Coelho de Seabra fora um dos primeiros adeptos em Portugal.

 

Em 1808. durante as invasões francesas, havendo falta de pólvora e outras munições indispensáveis ao exército português, Sobral foi encarregado de as produzir no Laboratório Químico da Universidade. Apesar da falta de matérias primas e de condições para a produção de grandes quantidades de pólvora, Sobral conseguiu produzir uma grande quantidade de pólvora, cuja qualidade foi elogiada por portugueses e ingleses. Pelo seu trabalho de coordenação do fabrico e distribuição de pólvora e outros apetrechos de armamento Sobral ficou conhecido por “mestre da pólvora”. Quando os franceses atacaram e entraram em Coimbra, sabendo quem era o responsável pelo fabrico da pólvora portuguesa, procuraram pela casa de Sobral, que destruíram completamente. No incêndio provocado ardeu todo o recheio da casa, incluindo a biblioteca e os manuscritos do compêndio que Sobral tinha elaborado durante os últimos anos, pelo que este compêndio nunca chegou a ser publicado.

 

Em Agosto de 1809 deu-se uma epidemia de peste na zona de Coimbra, à semelhança de outros pontos do país. Sobral notabilizou-se ao ser responsável pelas operações de fumigação com ‘gás muriático oxigenado’ nos edifícios públicos, tais como hospitais, quartéis, cadeias. Pelos seus serviços no ensino da Química e em aplicações desta ciência em situações práticas, Sobral ficou também conhecido como o ‘Chaptal português’, por comparação com o médico e químico francês Chaptal, que se notabilizou na química industrial e foi um dos grandes promotores da Química Aplicada. “Rodrigues Sobral foi o grande impulsionador em Portugal dos novos métodos de desinfecção pública e terá sido defensor da teoria flogista até que as provas dadas pelos químicos pneumáticos o levaram a enveredar por outro caminho.” (Amorim da Costa, 1984).

 

Nos anos que se seguiram o químico português tentou por diversos meios fazer com que o Laboratório Químico assumisse as funções que estavam previstos nos Estatutos da Universidade, de contribuir para o ensino científico e de fazer preparações químicas ‘em grande’, destinadas a aplicações na Medicina, na Farmacêutica e na Indústria. Sobral enunciou as áreas em que o Laboratório podia desenvolver a sua actividade: “Estes artigos podem considerar-se formando duas grandes classes: na primeira se compreendem todas aquelas preparações Químicas que são de um uso frequente na Medicina; das quais umas pertencem à Química Mineral, outras à Química Vegetal e  outras á Química Animal, e todas ellas á Química Farmacêutica.” (cit. in Amorim da Costa, 1984, 84).

Desenvolveu ainda trabalhos na análise das quinas do Brasil e do Peru, nas minas de metais de Portugal. Em 1816 anunciou ter pronta para publicação uma Memória sobre a Nomenclatura chimica Portugueza, que nunca chegou a ser publicada e que seria uma adaptação e aperfeiçoamento da nomenclatura exposta em 1788 e 1790 nos Elementos de Chimica de Vicente Seabra.

 

Publicações

Os seus textos consistem, quase na totalidade, em artigos publicados no periódico Jornal de Coimbra, uma vez que nunca chegou a publicar nem o compêndio de Química acima referido nem qualquer outra obra da sua autoria.

"Diário das operações, que se fizerão em Coimbra, a fim de se atalharem os progressos do contágio em Agosto de 1809", Jornal de Coimbra, 5, 1813, 103-112.

"Diário que offerecem ao Público os Doutores Thomé Rodrigues Sobral e Jerónimo Joaquim de Figueiredo das operações por elle executadas em as vistas de atalhar o contágio que n'esta cidade de Coimbra se começava a experimentar", Jornal de Coimbra, 5, 1813, 113-118.

"Ensaio Chimico da planta chamada no Brasil 'mil homens', Aristolochia Grandiflora, segundo o Dr. Bernardino António Gomes", Jornal de Coimbra, 7 1814, 149-198.

"Carta ao Doutor José Feliciano de Castilho em resposta a outras, em que se tratava de huma nova applicação do Gaz Muriático oxigenado (Gaz oximuriatico)", Jornal de Coimbra, 7, 1814, 101-136.

"Reflexões geraes sobre as difficuldades de uma boa analyse principalmente vegetal", Jornal de Coimbra, 8, 1815, 251-266.

"Sobre os trabalhos em grande que no laboratório chimico da Universidade poderão praticar-se com mais utilidade do Público, e com maiores vantagens do mesmo Estabelecimento", Jornal de Coimbra, 9, 1816, 291-312.

"Notícia de differentes Minas Metallicas e Salinas", Jornal de Coimbra, 9, 1816, 221-240.

"Observações sobre um Escrito, intitulado Methodo prático de purificar as cartas e papéis procedentes de paizes contagiados ou suspeitosos", Jornal de Coimbra, 11, 1817, 101-130.

"Memória sôbre o Principio Febrifugo das Quinas", Jornal de Coimbra, 15, 1819, 126-153.

Tractado das Affinidades Chimicas, artigo que no Diccionario de Chimica, fazendo parte da Encyclopedia por ordem de materias, deu Mr. de Morveau, Coimbra, 1793 [tradução].

 

Fernando Reis

 

Bibliografia

 

CARVALHO, J. A. Simões de, Memória da Faculdade de Philosophia, Coimbra, 1872.

COSTA, A. M. Amorim da, Primórdios da ciência química em Porugal, Lisboa, ICLP, 1984.

COSTA, A. M. Amorim da, “Thomé Rodrigues Sobral (1759-1829), A Química ao Serviço da Comunidade”, in História e Desenvolvimento da Ciência em Portugal, Lisboa, Academia das Ciências, 1986, vol. I, 373-401.


© Instituto Camões 2003