Carlos Ribeiro (1813-1882)

Carlos Ribeiro nasce em Lisboa, na Freguesia da Lapa, onde foi baptizado a 21 de Dezembro de 1813. Era filho de José Joaquim Ribeiro e de Francisca dos Santos Ribeiro, família de condição humilde, que apenas lhe pôde dar os rudimentos da instrução primária. Todavia, a grande avidez intelectual, que desde cedo demonstra, leva-o mais longe que o destino do pequeno comércio, que o pai lhe traçara. No estabelecimento comercial onde trabalhava desde muito jovem, contacta com Filipe Folque (1800-1874), então aluno da Academia Real de Fortificação, com quem mantém as mais cordiais relações de amizade. Folque, surpreso com o intenso desejo de Ribeiro em instruir-se, faculta-lhe livros e oferece-lhe explicações. A anuência do patrão e o auxílio de um benemérito, Francisco José de Freitas Rego, permitem-lhe o estudo das principais disciplinas da instrução secundária, e as habilitações necessárias à matrícula em escolas superiores.

As lutas liberais que então se travavam catapultam Ribeiro para a vida militar, assentando praça em Agosto de 1833. Terminada a guerra civil, em 1834, Ribeiro pede licença para prosseguir os seus estudos. Matricula-se na Academia Real de Marinha, onde recebe dois prémios, e depois na de Fortificação, Artilharia e Desenho, e na Escola do Exército que lhe sucedera depois da reforma de 1837. Conclui os cursos de artilharia e engenharia com distinção, alcançando os galões de oficial a 28 de Julho de 1837. Em 1839, instala-se em Elvas, onde se achava aquartelado o regimento a que pertencia, vivendo aí cerca de ano e meio, sendo de então que datam as suas relações com a família de Nery Delgado (1835-1908).

Primeiro-tenente, a 26 de Novembro de 1840, é transferido do 2º para o 3º regimento de artilharia sediado no Porto. Aqui, segue o curso da Academia Politécnica, onde recebe quatro prémios pecuniários e uma distinção honorífica. Trava então relações com José Victorino Damásio (1807-1875), lente da Academia Politécnica do Porto, vindo a casar com uma irmã deste, Úrsula Damásio, a 14 de Fevereiro de 1846. Do seu matrimónio nasceram três filhos: José Victorino Damásio Ribeiro, Zélia Damásio Ribeiro Basto e Sofia Ribeiro Damásio.

Ribeiro preferia exercer uma carreira técnico/científica à militar, aceitando por isso a oferta da Companhia das Obras Públicas de Portugal. A 11 de Novembro de 1845, é encarregado de dirigir a construção da estrada de Lisboa às Caldas da Rainha, sendo depois transferido para dirigir a estrada de Carvalhos à Ponte do Vouga. A 23 de Maio, todos os trabalhos são suspensos devido ao movimento popular Maria da Fonte e, a 6 de Junho, Ribeiro é dispensado do serviço. Participa na insurreição ao lado dos revoltosos, sendo preso até à promulgação da amnistia, com a assinatura da Convenção de Gramido. Por este motivo, é obrigado a retirar-se da efectividade do serviço militar. É nomeado para o ensino de aprendizes no Arsenal do Exército, mas conserva-se, por pouco tempo, neste lugar. Em 1849, entra para a Companhia Farrobo e Damásio, concessionária das minas de carvão do Cabo do Mondego e Buçaco. Por esta altura, estabelece também relações com o médico A. A. da Costa Simões, lente da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, que o convida a efectuar os estudos geológicos do terreno escolhido para o cemitério de Coimbra, de uma parte do seu projecto e da estrada que a ele conduz.

Organizado o Ministério das Obras Públicas Comércio e Indústria (MOPCI) em 1852, Fontes Pereira de Melo (1819-1887) chama Ribeiro (que tinha sido seu condiscípulo na Academia da Fortificação), para chefe da 4ª secção da Repartição Técnica da Direcção Geral de Obras Públicas — encarregada de superintender minas, pedreiras e trabalhos geológicos — ficando a seu cargo a organização do serviço de minas. Em conjunto com Pereira da Costa (1809-1888), lente da disciplina de Mineralogia, Geologia e Princípios de Metalurgia na Escola Politécnica de Lisboa, elabora a lei de minas que viria a ser decretada a 31 de Dezembro de 1852. A partir de 1859, é também nomeado chefe da Repartição de Minas, Geologia e Máquinas-a-Vapor (2ª repartição da Direcção Geral de Obras Públicas e Minas). Durante muito tempo, acumula as funções de chefe do serviço geológico com as de chefe da repartição de minas, e ainda as de vogal do Conselho de Obras Públicas e Minas.

No quadro do Ministério das Obras Públicas, é criada, em 1857, a Comissão Geológica de Portugal, incorporada na Comissão dos Trabalhos Geodésicos. Carlos Ribeiro é então nomeado membro director da Comissão Geológica, cargo que partilha com F. A. Pereira da Costa. A missão da Comissão Geológica era elaborar o mapa geológico de Portugal continental, tarefa difícil dada a exiguidade de meios humanos envolvidos. Devido a dissenções profundas ocorridas na direcção da Comissão Geológica, esta instituição é dissolvida, em Fevereiro de 1868, para ser restabelecida cerca de um ano depois, numa das secções da Direcção Geral dos Trabalhos Geodésicos. Carlos Ribeiro desempenhará o cargo de director da 5ª Secção da Direcção dos trabalhos Geodésicos, Topográficos Hidrográficos e Geológicos do Reino, até à sua morte. Nessa altura, Nery Delgado sucede-lhe na direcção do organismo responsável pelo levantamento geológico, onde permanecerá até à data da sua morte.

Em Julho de 1864, é nomeado para a comissão encarregada de propor as bases para a classificação e graduação do pessoal técnico do MOPCI e, ainda, para formular um projecto de reorganização do ensino industrial. É eleito deputado na legislatura de 1870-1874 e, mais tarde, na legislatura de 1880-1881. Na sessão de 23 de Março de 1872, apresenta um relatório sobre o Imposto Predial, no qual colaboram João Pinto Carneiro e Gilberto António Rolla. Neste relatório, são desenvolvidas as suas ideias sobre administração pública e patenteados os seus conhecimentos económicos.

Foi membro de várias sociedades científicas, portuguesas e estrangeiras, e galardoado com diversas condecorações nacionais e internacionais.

Morre em Lisboa a 13 de Novembro de 1882 na casa em que habitava na Rua do Arco das Amoreiras, nº 83, vítima dos padecimentos hepáticos e cardíacos de que vinha sofrendo.

Principais contribuições científicas

Carlos Ribeiro, conjuntamente com Nery Delgado, está entre os fundadores da geologia portuguesa. Ribeiro, reconhecendo o trabalho de campo como elemento essencial para os estudos geológicos, inaugura uma tradição nesta prática, até então quase inexistente no panorama científico da geologia portuguesa.

Carlos Ribeiro foi o primeiro geólogo português a reconhecer, de um modo geral, a sucessão estratigráfica dos terrenos do território de Portugal Continental. Inicia os estudos de geologia em 1840, sendo provavelmente o único no país que se ocupava na época desta área de investigação. Em 1844 depois de ter terminado os seus estudos na Academia Politécnica do Porto, faz alguns estudos de geologia prática nas vizinhanças do Porto, tendo reunido desde essa altura as suas primeiras colecções. Mais tarde, quando empregado na Companhia Farrobo e Damásio, fez à sua própria custa diversas viagens de estudo pelo país, reunindo colecções petrográficas e paleontológicas, que mais tarde serviriam de núcleo à colecção da Comissão Geológica do Reino. No ano de 1850 estabelece relações com o geólogo britânico Daniel Sharpe, que vivera uns anos em Portugal e já publicara alguns trabalhos sobre geologia do país. A investigação de Ribeiro permite corrigir algumas observações feitas por Sharpe, o que lhe irá valer o primeiro reconhecimento internacional.

Ribeiro manteve correspondência regular com os mais eminentes especialistas da época, sobretudo depois de ter com eles travado conhecimento, aquando da sua viagem a diversos países da Europa, em 1858.

No período decorrido entre 1852 e 1857, Ribeiro traçou o primeiro esboço de uma carta geológica da região compreendida entre os rios Tejo e Douro, sobre a carta militar inglesa compilada por James Wyld (escala de 1:480000) e o esboço geológico do Alentejo sobre a carta de Bonnet (escala de 1:833333). Estes dois esboços constituíram o primeiro fundamento da carta geológica geral, tendo também servido a de Verneuil e Coulomb para a elaboração da carta geológica da Península Ibérica (escala de 1:500000), publicada em 1864.

Na sequência dos trabalhos de levantamento geológico efectuados por Carlos Ribeiro e Delgado, um primeiro esboço do mapa geológico de Portugal Continental é enviado à Exposição Internacional de Paris e premiado com a medalha de prata. Em 1876, foi oficialmente publicado o mapa geológico de Portugal Continental (escala 1:500 000). Este mapa viria a ser revisto, completado e actualizado, mais tarde, por Delgado e Paul Choffat (1849-1919), geólogo suíço contratado pelos Serviços Geológicos por sugestão de Ribeiro.

Desenvolve diversos estudos de geologia aplicada, citando-se, por exemplo, os seus trabalhos sobre minas, bem como sobre o abastecimento de água à cidade de Lisboa, assunto que o ocupou durante quase 30 anos. Em colaboração com Delgado, publicou em 1868 um estudo pioneiro sobre a arborização geral do país.

Em 1863, inicia os seus estudos pré-históricos com a descoberta dos concheiros (kjökkenmöddinger) de Muge — aglomerados de conchas e outros restos de alimentação humana datados do período do Mesolítico — quando estudava os terrenos terciários do vale do Tejo. Durante o curso das suas pesquisas, foram ainda identificados esqueletos humanos, ossos de animais fossilizados e objectos talhados em pedra e osso, que permitiram a recolha de informações importantes sobre o estilo de vida das populações que habitaram nas margens do Tejo. Em 1880, mercê do interesse da comunidade científica internacional sobre a discussão que remetia para o Terciário a existência do Homem e, em particular, do empenho de Carlos Ribeiro, tem lugar em Lisboa, o IX Congresso Internacional de Antropologia e Arqueologia Pré-Históricas.

Alguns dos exemplares recolhidos por Ribeiro encontram-se depositadas no Museu do Instituto Geológico e Mineiro, mas o espólio da Comissão Geológica recolhido até 1869, foi transferido em 1869 para o Museu Geológico e Mineralógico da Escola Politécnica de Lisboa.


Publicações

Algumas das obras mais relevantes de Carlos Ribeiro:
·        “Estudos geologicos do Bussaco”, O Atheneu, 52 (1850), 410-413.
·        On the Carboniferous and Silurian Formations of the neighbourhood of Bussaco in Portugal. With notes by D. Sharpe, Salter, Rupert Jones; and an Account of the Vegetable Remains, by Bunbury”, Quarterly Journal of the Geological Society of London, 9 (1853), 135-161.
·        Considerações geraes sobre a grande conserva de aguas projectada na ribeira de Carenque mandadas publicar pela Camara Municipal de Lisboa, Lisboa, Typographia do Jornal do Commercio, 1854.
·        Reconhecimento geológico e hidrológico dos terrenos das vizinhanças de Lisboa, com relação ao abastecimento de águas desta cidade (com um mapa geológico em grande formato), Lisboa, Typografia da Academia Real das Sciencias de Lisboa, 1857.
·        Memorias sobre as minas de carvão dos districtos do Porto e Coimbra e de carvão e ferro do districto de Leiria, Lisboa, Typografia da Academia Real das Sciencias de Lisboa, 1858.
·        Memorias sobre as minas de chumbo de S. Miguel d’Ache e Segura, no concelho de Idanha-a-Nova, e Castello da Ribeira das Caldeiras, no conselho do Sardoal (contém uma carta), Lisboa, Typografia da Academia Real das Sciencias de Lisboa, 1859.
·        Memoria sobre o grande filão metalifero que passa ao nascente de Albergaria-a-Velha e Oliveira de Azeméis (contém uma carta), Lisboa, editora???, 1859.
·        Estudos geologicos. Descripção do solo quaternario das bacias hydrographicas do Tejo e Sado (contém uma carta), edição bilingue, Lisboa, Typografia da Academia Real das Sciencias de Lisboa, 1866.
·        “Note sur le terrain quaternaire du Portugal”, Bulletin de la Société Géologique de France, 24 (1867), 692-717.
·        Carlos Ribeiro; Nery Delgado, Relatorio acerca da Arborisação Geral do Paiz, Lisboa, Typographia da Academia Real das Sciencias de Lisboa, 1868.
·        “Breve noticia acerca da constituição physica e geologica da parte de Portugal comprehendida entre os valles do Tejo e do Douro”, Jornal de Sciencias Mathematicas e Physicas, 7 (1869), 243-252, 353-361.
·        Memoria sobre a descripção de alguns silex e quartzites lascadosencontrados nas camadas dos terrenos Terciario e Quaternario das bacias do Tejo e Sado, Lisboa, Typografia da Academia Real das Sciencias de Lisboa, 1871.
·        Carlos Ribeiro; Nery Delgado, Carta Geológica de Portugal (escala 1:500 000), 1876.
·        “Des formations tertiaires du Portugal”, Extrait du Compte-rendu sténographique du congrès international de géologie tenu à Paris, Paris, Imprimerie Nationale, 1878.
·         “L’homme tertiaire en Portugal”, Extrait du Compte-rendu du congrès international d’anthropologie et d’archéologie préhistoriques en 1880, Lisboa, Typografia da Academia Real das Sciencias de Lisboa, 1880.
 

Vanda Leitão


Bibliografia

Adolpho Loureiro, “Carlos Ribeiro. Noticia necrologica”, O Instituto, 30 (1882-1883), 193-205.
Paul Choffat, "Notice Nécrologique sur Carlos Ribeiro," Bulletin de la Société Géologique de France, 11 (1883), 321-329.
Ricardo Severo, “Carlos Ribeiro”, Revista de sciencias naturaes e sociaes, 5 (1898), 153-177.
Nery Delgado, “Elogio historico do General Carlos Ribeiro,” Revista de Obras Publicas e Minas, 36 (1905), 1-51.
Pedro de Aguiar, “Dois homens ilustres: José Victorino Damásio e Carlos Ribeiro”, Boletim da Associação Industrial Portuense, 248-252 (1940), 5-37.
David Oldroyd, Thinking about the Earth: A History of Ideas in Geology, Cambridge Mass., Harvard University Press, 1996.
João Luís Cardoso, “As Investigações de Carlos Ribeiro e de Nery Delgado sobre o ‘Homem do Terciário: Resultados e Consequências na Época e para além dela,” Estudos Arqueológicos de Oeiras, 8 (1999-2000), 33-54.
Vanda Leitão, “The Travel of Carlos Ribeiro (1813-1882) to Europe, in 1858”, Comunicações dos Instituto Geológico e Mineiro, 88 (2001), 293-300.


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