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Manuel Himalaya (1868-1933)*
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Padre Himalaya numa fotografia datada de 1902. A dedicatória manuscrita é dirigida aos pais e irmãos (Arquivo Professor Jacinto Rodrigues)
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Manuel António Gomes nasceu a 9 de Dezembro de 1868 em Santiago de Cendufe, concelho de Arcos de Valdevez, no seio de uma família de agricultores pobres. Viveu a infância em casa dos avós na aldeia do Souto, perto de Cendufe, onde, segundo Jacinto Rodrigues, o seu principal biógrafo, auxiliou nos trabalhos agrícolas e pecuários. Como era vulgar na época, para aceder aos estudos foi enviado para o seminário de Braga, em 1882. E terá sido ali que um jovem chamado Roriz o alcunhou de Himalaya, devido à sua estatura invulgar. Manuel Gomes aceitou a brincadeira e adoptou o nome, passando a assinar Manuel Himalaya.
Defendendo ideias filosóficas próprias e opondo-se, por vezes, ao discurso dogmático dos professores, o jovem seminarista preferia voltar-se para outras fontes do saber: “Li quanto nesse tempo existia sobre astronomia popular de Flammarion, sobre Antropologia de Quatrefages, Topinard etc., sobre Física de Jasmin e Bouffi, sobre Química de Troost, Schutzemberger, etc., sobre Zoologia de Breme, sobre Geologia, Botânica, etc., não falando nas obras apologéticas ‘A Religião em face da Ciência’, obra de Vigouroux.”, escreveria numa carta datada de 9 de Agosto de 1901, dirigida a Gaspar um dos seus seis irmãos.
Em Junho de 1890, terminou o curso teológico e foi para o Colégio da Formiga, em Ermesinde, onde foi ordenado padre a 26 de Julho de 1891. A investigação e o interesse pela energia solar eclodiram por esta altura. O Jornal “A Província” publicara em Janeiro de 1888 um artigo em que descrevia as experiências realizadas em França por Mouchot. Aquele inventor criara um forno solar, um prato cónico que reflectia a luz para um foco, onde um cadinho era aquecido a temperaturas elevadas.
Na Primavera de 1899, Himalaya partiu para Paris com o patrocínio de uma benfeitora, D. Emília Josefina dos Santos, e o encorajamento do bispo de Braga e do químico portuense Ferreira da Silva. Chegou à capital francesa com as obras da Exposição Universal de 1900 em curso, onde se erguia na altura a Torre Eiffel, hoje o mais famoso dos ícones da cidade.
Apesar de não possuir uma formação avançada em ciências, o padre Himalaya pôde, em certa medida, compensar essa falta com a frequência de cursos ministrados por cientistas de renome ou através do contacto com esses sábios. Aí assistiu às aulas do químico Berthelot, conhecido pelos seus trabalhos no domínio da termodinâmica e como historiador da alquimia e da química vegetal, no Collège de France. Também frequentou os cursos de Moissan e Violle, na Universidade de Paris, e as conferências de Edouard Brandy no Institut Catholique. O engenheiro Jacques Ainé, professor no Conservatório Nacional das Artes e Ofícios, também o ajudou permitindo que o registo de patentes fosse realizado através do seu gabinete. A grande motivação de Himalaya para as inovações no campo da energia solar era a oxidação do azoto atmosférico, produzindo assim um componente usado no fabrico de fertilizantes para a agricultura.
Em 1900, começam as experiências de Himalaya com protótipos de fornos solares.
Em Castel d’Ultrera, nos Pirenéus franceses, numa região isolada, longe de olhares indiscretos, foi montado o primeiro protótipo que fazia uso de uma lente de Fresnel. Um conjunto de anéis concêntricos desviava a luz, por reflexão, para um foco colocado debaixo da “lente”. Todo o modelo era orientado para o Sol através de um sistema de carris circulares. Os resultados obtidos não foram tão bons como o esperado, mas, ainda assim, segundo os registos da época, atingiram-se temperaturas da ordem de 1.500º C, suficientes para fundir o ferro.
Após a experiência gaulesa, o padre Himalaya aperfeiçoou a concepção de um novo forno solar que apresentou em Lisboa, na Tapada da Ajuda, mas desta vez sem sucesso. A experiência correu mal e lançou o descrédito sobre o seu trabalho. Foi assim com enorme esforço que conseguiu convencer a sua principal financiadora, a condessa da Penha Longa, a pagar o investimento da participação na Feira Mundial de St. Louis. Este era, aliás, um projecto em que Manuel Himalaya estava particularmente empenhado. Em Abril de 1904, partiu para a América com o objectivo de apresentar o seu Pyrheliophero.
Outros inventores, nomeadamente nos Estados Unidos, perfilavam-se entre os visionários que viam com preocupação o dia em que as jazidas de carvão chegariam ao fim. Em 1870, o engenheiro norte-americano de origem suíça John Ericsson criou o que disse ser a primeira máquina a vapor alimentada pela energia solar. Os seus primeiros aparelhos eram muito semelhantes aos de Mouchot. Um outro inventor, Aubrey Eneas, de Boston, começou a sua actividade em 1892 e em 1900 lançou a primeira empresa dedicada à energia solar (“The Solar Motor Co.”). Mas enquanto os dispositivos solares de Mouchot e Ericsson incorporavam o forno onde eram concentrados os raios solares na estrutura reflectora, as primeiras patentes do padre Himalaya compreendiam um parabolóide independente e um forno móvel, montado sobre carris. A ideia de Himalaya era evitar que o forno fizesse sombra sobre o reflector retirando assim algum poder colector ao engenho. Na Feira Mundial, o Pyrheliophero foi instalado entre olhares curiosos. Ali, 500 edifícios albergavam as últimas novidades do progresso científico e tecnológico.
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O Pyrheliophero, máquina solar premiada nos E.U.A. em 1904 (Arquivo Professor Jacinto Rodrigues)
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O Pyrheliophero era constituído por um grande reflector parabolóide instalado numa montagem equatorial, ou seja, rodava sobre um eixo paralelo ao eixo de rotação da Terra. Esta montagem permitia seguir o lento movimento aparente do Sol, de este para oeste, através de um mecanismo de relojoaria, e manter-se sempre apontado para o Sol com grande precisão. A superfície reflectora, com uma área de 80m2, estava revestida por 6 117 pequenos espelhos, e concentrava a radiação solar num círculo com 15cm de diâmetro. A altura da estrutura era de 13m. O forno encontrava-se, como era habitual, no foco do parabolóide, ou seja, no ponto onde se concentram raios luminosos que chegavam paralelamente ao seu eixo, como acontecia com os raios solares.
Segundo Manuel Collares-Pereira, investigador do Departamento de Energias Renováveis do INETI e um dos estudiosos portugueses das invenções do padre Himalaya, “a montagem equatorial e o ajuste azimutal, por exemplo, eram coisas que já existiam e se conheciam no seu tempo. Mas ninguém tinha ainda combinado estes elementos todos”. Com o Pyrheliophero, Himalaya alegou ter atingido a temperatura recorde de 3.800º C. Depois de uma análise técnica quer às patentes produzidas quer a outros dispositivos concentradores de energia solar da época, Collares Pereira, chegou à conclusão de que, àquela data e perante os conhecimentos disponíveis sobre aplicações solares, apenas o invento do padre terá atingido, de facto, essa marca.
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Manuel Himalaya foi pupilo de Sebastião Kneipp (à esquerda), sacerdote pioneiro de práticas terapêuticas naturais que entusiasmou a Europa científica no final do século XIX. Na imagem, uma sessão de tratamento de Kneipp em Bad-Worishoffen (Arquivo Professor Jacinto Rodrigues)
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Após o sucesso da Exposição de St. Louis, que teve amplo eco na imprensa, Himalaya dedicou-se a outras áreas técnicas e imaginou métodos para fazer chover, inventou um novo explosivo (a himalayite), continuou a cultivar o seu interesse pelas medicinas naturais e a defender ideias precursoras da ecologia moderna. Depois de uma vida repleta de actividade, Himalaya morreu em Viana do Castelo, a 21 de Dezembro de 1933. Tinha então 65 anos, e a notícia foi vagamente narrada na imprensa da época.
* Artigo adaptado de “O Domador do Sol”, publicado na edição de Julho de 2004 da revista National Geographic Portugal.
Bibliografia
COLLARES- PEREIRA, Manuel, “A highly innovative, high temperature, high concentration, solar optical system at the turn of the nineteenth century. The Pyreheliophoro”, Proceedings, Euro Sun, Freiburg, June 2004.
RODRIGUES, Jacinto, “A Conspiração Solar do Padre Himalaya”, Porto, Cooperativa Árvore, 1999.
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