Espaço Atlântico de Antigo Regime

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Sesmarias: uma história luso-brasileira, séculos XVIII-XIX


Márcia Maria Menendes Motta
Instituto de Ciências Humanas e Filosofia - Universidade Federal Fluminense


O trabalho analisa as interpretações sobre o sistema de sesmarias em Portugal e no Brasil, em fins do século XVIII até sua suspensão, no Brasil, em 1822. Importa-nos analisar as contribuições de memorialistas e juristas do período. A nosso ver, as diversas leituras sobre os limites da propriedade em Portugal e no Brasil estimularam visões distintas sobre a eficácia ou não do sistema sesmarial em sua relação com os temas relativos à agricultura e o direito à terra. Em Portugal, em fins do século XVIII a lei de sesmaria era muitas vezes eleita como o símbolo da consagração da propriedade privada, no bojo das críticas à utilização dos pastos comuns. Nos anos vinte do século seguinte, ela tornar-se-ia fonte de conflito por estabelecer um limite ao direito à propriedade, tendo como base a obrigatoriedade do cultivo. No Brasil, na conjuntura que marca sua independência, as sesmarias serão objecto de múltiplas críticas, sendo suspensa em razão dos conflitos oriundos da dificuldade em definir o direito à terra.

Sociabilidade e estratégias educativas numa sociedade mestiça (Minas Gerais, Brasil, século XVIII)


Thais Nívia de Lima Fonseca
Universidade Federal de Minas Gerais


A historiografia dedicada aos temas da educação no Brasil tem dado pouca atenção ao século XVIII, e os poucos trabalhos disponíveis analisam preferencialmente o período pombalino, no qual foram realizadas reformas educacionais em Portugal e que atingiram os seus domínios na América. Há ainda faces pouco conhecidas sobre a educação na América portuguesa e que encontram estreita conjunção com os estudos sobre as práticas culturais e de sociabilidade no Brasil colonial e no Império português de forma geral. Nesta comunicação pretendo explorar essa vertente, analisando as estratégias educativas, escolares ou não, de grupos e de indivíduos, por meio das quais eles procuravam definir suas posições naquela sociedade, e que nos permitem acompanhar suas trajectórias ao longo da segunda metade do século XVIII, esclarecer seus entrelaçamentos com a vida política, com as actividades económicas, com as práticas religiosas e com o universo cultural da Capitania de Minas Gerais.

Sociabilidades modernas e poderes tradicionais no Rio de Janeiro de 1794


Guilherme Pereira Neves
Universidade Federal Fluminense


No Rio de Janeiro de fins de 1794, o vice-rei conde de Resende ordenou a prisão do poeta Manuel Inácio da Silva Alvarenga, do futuro marquês de Maricá e demais membros da precária sociedade literária criada no governo anterior. Dois anos antes, como revelou D. Higgs, outra denúncia alertara a Inquisição para as conversas irreligiosas que ocorriam numa botica do centro da cidade, frequentada por alguns dos implicados na devassa de 1794. Contudo, ao invés de considerar esses episódios, como em geral sucede, enquanto indícios de uma crescente tensão entre colónia e metrópole, este trabalho pretende tomá-los como manifestações, ainda que limitadas, de uma sociabilidade moderna, abafadas, porém, por mecanismos tradicionais de poder, típicos de Antigo Regime. Tornam-se, assim, paradigmas para
o tortuoso processo de constituição da esfera política propriamente pública de um país que viria a nascer, em 1822, das mãos do herdeiro da coroa portuguesa em rebeldia diante das Cortes liberais.

Trajectórias imperiais: imigração e modelo de reprodução social das elites em Minas colonial


Carla Maria Carvalho de Almeida
Universidade Federal de Juiz de Fora


O objectivo desta comunicação é apresentar resultados parciais de uma pesquisa em andamento cuja meta é mapear os homens listados como os mais ricos da capitania de Minas Gerais na segunda metade do século XVIII. Conjugando as informações obtidas na documentação eclesiástica relativa aos processos matrimoniais com os testamentos e inventários post-mortem, analisaremos o padrão de constituição de famílias característico deste grupo, comparando-o com os de outras áreas do Império Português. Primeiramente analisaremos a naturalidade, idade e condição dos cônjuges, procurando compreendê-las à luz das variáveis demográficas e do sistema de casamentos predominantes na região norte de Portugal, de onde vinha grande parte dos membros desta elite. Posteriormente, daremos especial atenção a alguns estudos de caso que nos permitirão visualizar as redes de relações estabelecidas entre estes indivíduos, via negócios ou casamentos, como parte das estratégias de manutenção de sua condição social. Tentaremos com este estudo nos aproximar da formulação de um modelo de reprodução social característico deste grupo.

Um projecto civilizador pombalino para o sertão oeste de Minas Gerais no século XVIII


Márcia Amantino
Universidade Salgado de Oliveira


O Marquês de Pombal, através de uma série de medidas tomadas na metrópole e executadas nas diferentes partes do Império Ultramarino, engendrou um Projeto Civilizacional baseado no controle sobre os agrupamentos de indígenas, de vadios e de quilombolas que viviam em áreas que, por diferentes motivos, estavam fora do domínio das autoridades. Tais regiões eram denominadas de Sertões e receberam diversas expedições promovidas com os objectivos de levar a civilidade e efectuar o povoamento com grupos sociais capazes de serem controlados. Além disso, buscava-se também encontrar terras para aumentar as extracções de ouro e a agricultura e consequentemente, incrementar a arrecadação dos impostos devidos à Metrópole. Para atingir todos estes objectivos, era imprescindível limpar" os Sertões de seus moradores considerados indesejados, ou seja, índios tidos como bravios, quilombolas e vadios. Para justificar estas expedições foram criadas inúmeras imagens negativas a respeito destes grupos sociais e para cada um foram desenvolvidas atitudes específicas de controle. Todavia, em comum a todas, a negação ao direito à terra.
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Vila Nova de Mazagão: espelho de cultura e sociabilidade portuguesas no vale amazónico


Katy Eliane Ferreira Motinha
Universidade de São Paulo


Este trabalho trata da edificação da Freguesia de Nossa Senhora da Assumpção da Vila de Nova Mazagão, na região do Cabo Norte, na foz do rio das Amazonas, na segunda metade do século XVIII. Seu objectivo é analisar a concretização da iniciativa metropolitana, de transplantar a Mazagão Marroquina para o Vale Amazónico, no contexto da perda das possessões em África e da consolidação do território português nas Terras do Cabo Norte", capitania do Grão-Pará. O trabalho se ocupa com os percalços tidos pela administração colonial e, sobretudo, pelo fato de os colonos mazaganistas, diante das dificuldades interpostas pela densa floresta, áreas alagadiças e pela falta de recursos, lançarem mão de práticas e representações religiosas que lhes chegaram pelos lentos e perenes caminhos da cultura e da sociabilidade, encenadas na Festa ao Divino Espírito Santo, como forma de salvação.
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«Tais são [...] os males que pesam sobre aquela ilha»: vivências insulares [...]


José Damião Rodrigues
Carlos Cordeiro
Universidade dos Açores



A 23 de Setembro de 1812, o bacharel João José da Veiga era nomeado corregedor das ilhas de São Miguel e Santa Maria. Anos mais tarde, ao visitar Santa Maria em correição, foi confrontado com o incipiente estádio de desenvolvimento da ilha. Desse choque resultou a produção de um relatório circunstanciado, no qual o magistrado expõe o que considera serem as barreiras que impediam o progresso mariense e avança com propostas de carácter reformista. O texto reveste-se da maior importância para uma abordagem das estruturas socioeconómicas que caracterizam os Açores em finais do Antigo Regime. Os contextos diferem, naturalmente, de ilha para ilha, mas do próprio relatório podemos deduzir a existência de realidades comuns a diversos espaços da periferia açoriana -- no caso, São Miguel e Santa Maria.
Partindo de uma análise da situação económica, social e demográfica, que caracteriza como profundamente negativa, e confrontando-a com as potencialidades que ali descortinava para o progresso e bem-estar da respectiva população, o corregedor propõe soluções de tipo reformista, sobretudo ao nível legislativo, para que os entraves ao desenvolvimento fossem debelados e as populações pudessem alcançar as condições de vida que não as impelissem à emigração. Na sua perspectiva, a questão fundamental decorria da estrutura da propriedade fundiária e do correlativo sistema de arrendamento, que desincentivavam o investimento na terra, daí resultando uma agricultura na base da subsistência, bem como o empobrecimento e erosão dos terrenos de cultivo. O comércio era quase inexistente, o mesmo acontecendo com as artes". Daí, pois, a extrema miséria da esmagadora maioria da população, que debandava em busca de melhores condições de vida, nas ilhas vizinhas ou no continente, uma vez que não descortinava na sua ilha possibilidades de melhorar de vida com o trabalho na agricultura. As alterações legislativas que João José da Veiga propõe nesta sua exposição visam, especialmente, a problemática do acesso à terra por parte dos camponeses pobres e a melhoria de sistema do arrendamento rural, em sintonia com as propostas que contemporâneos seus haviam igualmente produzido.

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