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Evolução do comércio privado entre o Brasil e a Ásia Portuguesa durante a estadia da Corte no Brasil


Ernestina Carreira
Université de Provence


A mudança do centro de decisões políticas de Lisboa para o Rio de Janeiro, em consequência das invasões napoleónicas de 1807, desembocou numa profunda transformação económica do ultramar português. Aboliu-se definitivamente o monopólio comercial dos armadores de Lisboa relativamente ao comércio com o Oriente, privilégio decretado por Pombal meio século antes, mas contestado desde então pelos negociantes do Brasil.
Goa, ligada há séculos a Lisboa pela famosa Carreira da Índia, passou também a receber os navios mandados do Rio de Janeiro a partir de 1808. Para os armadores da antiga colónia recentemente elevada a reino surgia finalmente a oportunidade de aceder directamente aos mercados da Índia e da China. Um balanço global da navegação comercial entre o Brasil e a Índia nessa época indica porém que as importações efectuadas por armadores brasileiros ficaram muito aquém das possibilidades do mercado de consumo, particularmente no que dizia respeito aos têxteis. Organizar este comércio revelou-se quase impossível em razão da existência, há mais de vinte anos, de uma rede de abastecimento do Brasil dominada pelos armadores de Lisboa, com sucursais no Rio de Janeiro e na Bahia. Alguns destes aliás, para evitarem as falências devidas às invasões francesas, transferiram-se rapidamente com os seus capitais para o Rio de Janeiro, e dali passaram a armar, os seus próprios navios para a Ásia. Além disso, a abertura dos portos do Brasil ao comércio britânico após o tratado de 1810 permitiu que os Ingleses inundassem o mercado brasileiro com têxteis ingleses ou oriundos dos portos de uma Índia quase totalmente dominada pela East India Company desde a morte de Tipoo Sultão em 1799. A Índia portuguesa, ocupada pelas tropas britânicas até 1813, não se encontrava em situação de poder aumentar as suas actividades comerciais. Os navios do Brasil dirigiam-se portanto essencialmente para os portos ingleses. Apenas Damão e a feitoria portuguesa de Surat continuaram no período seguinte (1815-1821) a ter um volume de trocas significativo com o Rio de Janeiro e a Bahia, por intermédio de uma família de armadores lisboetas radicados no Brasil. Neste período foi portanto Macau - e muito perifericamente Moçambique - o alvo principal dos investimentos dos armadores do Atlântico português. Desde a época pombalina, haviam-se descoberto as importantes possibilidades de troca que proporcionava o tabaco brasileiro, bastante apreciado na China, o que não acontecia com a Índia onde os produtos brasileiros se vendiam mal. Esta evolução do comércio transoceânico será analisada prioritariamente através das actividades da principal família de negociantes que então dominava.

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