Época Medieval

Renascimento em Portugal

Sob o Signo das Luzes

A Filosofia Portuguesa do Séc. XIX
até à Proclamação da República
A Filosofia Portuguesa depois de 1910

António Nunes Ribeiro Sanches

Médico, filósofo e pedagogo (n. Penamacor, 1699-m. Paris, 1783). Pertence ao número dos intelectuais portugueses que exerceram a sua actividade no estrangeiro, de onde a comum designação de «estrangeirado». De imediato ressalta, nos seus textos, o firme e generoso propósito de intervir na reforma da cultura filosófica e científica do seu país, «ainda que por tantos anos longe de Portugal». Fê-lo essencialmente através de duas obras de fundo, que muito influenciaram a redacção dos futuros Estatutos da Universidade de Coimbra (1772), sobretudo no capítulo dedicado ao curso de Medicina e aos assuntos pedagógicos em geral. Referimo-nos ao Método para aprender e estudar a Medicina (1763) e às Cartas sobre a educação da mocidade (1760). Ambas foram elaboradas à luz da intenção reformista e pedagogista que animou o nosso iluminismo, a primeira lançando as bases teóricas para a instituição de uma Faculdade Real de Medicina, à semelhança das então existentes em Bolonha, Nápoles, Paris e Viena; a segunda pretendendo fornecer aos nossos legisladores uma história do ensino e da pedagogia na Europa, desde os primeiros tempos do Cristianismo, com propósito vincadamente pragmático, qual o de justificar a tutela do ensino pelo Estado. Esse é, aliás, um denominador comum às duas obras: a laicização do ensino e da sociedade em geral, a par da espiritualização da acção da Igreja, objectivo onde se lê, com clareza, a defesa da doutrina regalista, que animava a filos. política do Marquês de Pombal e dos seus mais próximos colaboradores.

O pensamento científico e pedagógico de Sanches paga forte tributo ao newtonianismo vigente e aos escritos de Locke e Fleury. Assim, a Filos. confunde-se, em Ribeiro Sanches, com um método de pensar e de conhecer, à luz da perspectiva analítico-sintética das ciências da natureza. O objecto da Filosofia é o de ensinar a determinar «[...] os princípios e conexão dos nossos conhecimentos; combinando os efeitos para descobrir as causas, e ponderando estas para prever e determinar os efeitos possíveis que necessariamente se devem seguir delas» (Cartas.... pp. 9-10). A importância do «método» e da «arte» de pensar não era alheia ao consequente propósito de uma reforma da mentalidade pedagógica, desligada das práticas da disputa, da reverência em face da autoridade e, sobretudo, perante a dimensão erudita que, em seu entender, subjugava a prática do ensino das diferentes disciplinas. Com Locke, repetirá o salutar princípio de que «[...] o fim da educação da mocidade não é para saírem perfeitos em ciência alguma, e somente para abrir-lhes o entendimento, e ficarem com as luzes necessárias para aprender aquela a que se quiserem aplicar» (Cartas.... p. 25).

Devemos ainda sublinhar a atitude de vincada abertura e de cosmopolitismo pedagógico e científico, ao pretender abrir as portas da nossa Univ. às tendências europeias, pela explícita recomendação, no caso concreto dos estudos médicos, de que se não limitassem os estudantes aos muros da Univ. de Coimbra ou de Salamanca, viajando pelas escolas e hospitais da Europa, dando expressão, afinal, ao que era a sua própria experiência pessoal.

Do ponto de vista científico, sublinhará as excelências do método experimental e as virtudes da Matemática, já como elemento formador dos hábitos de rigor e de demonstração, já como suporte dos estudos de Física, imprescindíveis ao ensino da Medicina.

Sublinhe-se ainda a sua proposta, formulada nas Cartas ... , para a instituição de um Colégio Real dos Nobres, mediante o qual aspirava a uma reforma dos hábitos sociais da nobreza, salientando os valores da tolerância, da instrução - neste caso de dominância militar e técnico-científica - e da utilidade pública. Deve notar-se que, à semelhança de Vernei, R. S. entende a nobreza não como um privilégio de sangue mas como uma mercê concedida pela Majestade Real aos mais capazes.

Ainda no plano pedagógico e em articulação com o seu pensamento económico e social, onde se respiram tendências de feição fisiocrática, R. S. foi um adversário, à semelhança de muitos intelectuais das Luzes, da extensão do ensino à globalidade da população, impondo-lhe rígidos limites, sobretudo no caso das populações rurais, a fim de não estimular, pelo desejo de melhor vida, a migração para as cidades, o despovoamento dos campos e a extinção dos ofícios. A educação, de acordo com princípios da época, conservava, para o autor, uma perspectiva que hoje diríamos elitista.

Obras
Método para Aprender e Estudar a Mediana, in Obras, vol. I, Coimbra, 1959, pp. 1-200; Cartas sobre a Educação da Mocidade, in Obras, vol. I, Coimbra, 1959, pp. 201-366; «Afections de l'ame», in Encyclopédie Methodique, Médecine, t. I, Paris, 1787; Christãos novos e christãos velhos em Portugal, Porto, 1973; Dificuldades que tem um reino velho para emendar-se, e outros textos, Porto, s/d; Dos sítios mais sadios para fundar cidades, Lisboa, s/d; Observations sur les madres vénériennes, Paris, 1785; Origem da designação de christão velho e christão novo em Portugal, Lisboa, 1956; Projecto de instruções para um professor de cirurgia, separata de Folia Anatomica Universitatis Conimbrigensis, 31 (1), 1956; Tratado da Conservação da Saúde dos Povos, Lisboa, 1757. (Para uma relação mais completa consulte-se o catálogo da exposição documental sobre A. N. Ribeiro Sanches, Coimbra, ed. do Museu Nacional da Ciência e da Técnica, 1984.)

Bibliografia
Luís de Albuquerque, «As ciências exactas na reforma pombalina do ensino superior», in Vértice, Coimbra, 4 (52), 1947; 5 (53), 1948; 5 (54), 1948; A. A. Banha de Andrade, Vernei e a Cultura do seu tempo, Coimbra, 1965; Artur Araújo, «Subsídios para a monografia do célebre méd. português António Nunes Ribeiro Sanches», in Gazeta dos Hospitais do Porto, A. 3 (22), 1909; Gisela Nunes Barbosa. Um notável médico português: Ribeiro Sanches, separata de O Médico, Porto, 89, 1953; Costa Belo, «Ribeiro Sanches precursor da Cruz Vermelha», i. Jornal do Médico, Porto, 14 (356), 1949; Charles Boxer, «António Ribeiro Sanches: um iluminista português», in Vida Mundial, Lisboa, A. 26 (1619), 19.6.1970; Teófilo Braga, História da Universidade de Coimbra nas suas relações com a instrução publica portugueza, Lisboa, 1898, t. III; Álvaro Guimarães de Caires, Esboço histórico da medicina dos portugueses no estrangeiro, Coimbra, 1936; Rómulo de Carvalho, História da Fundação do Colégio Real dos Nobres de Lisboa, 1761-1772, Coimbra, 1959: id., Relações entre Portugal e a Rússia no século XVIII, Lisboa, 1979; Maximino Correia, António Nunes Ribeiro Sanches, Coimbra, 1967; Ferreira Deusdado, Educadores Portugueses, Coimbra, 1909; J. Pedro Miller Guerra, «A reforma pombalina dos estudos médicos», in Pombal Revisitado, Lisboa, 1984; Ricardo Jorge, Ribeiro Sanches e Soares de Barros, Lisboa, 1909; Maximiano Lemos, História da Medicina em Portugal: Doutrinas e Instituições, Lisboa, 1898; id., Ribeiro Sanches: a sua vida e a sua obra, Porto, 1911; Luís de Pina, «Medicina e médicos na História da Filosofia em Portugal», in Rev. Port. Filos., Braga, 11-12 (3-4), 1955; David Willense, António Nunes Ribeiro Sanches élève de Boerhaave et son importance por la Russie, 1966.

Pedro Calafate


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