Época Medieval

Renascimento em Portugal

Sob o Signo das Luzes

A Filosofia Portuguesa do Séc. XIX
até à Proclamação da República
A Filosofia Portuguesa depois de 1910

Frei João Sobrinho

Frei João Sobrinho,
De Iustitia Commutativa
(frontispício da edição
impressa em Paris,
14.11.1496)

Autor dos finais do século XV, nasceu em Lisboa e doutorou-se em Teologia pela Universidade de Oxford, tendo sido confessor de D. Afonso V.

Da sua actividade de pensador ficou-nos uma obra impressa de inquestionável valor para o estudo das doutrinas económicas medievais: o De iustitia commutativa, editado em Paris, em 1496. Elaborado sob marcante influência de S. Tomás de Aquino, João Sobrinho não entende a actividade económica como uma instância autónoma, antes a subordina a um plano de doutrinação ética e metafísica. Daí a importância do tema da dignidade da pessoa humana como núcleo regulamentador da actividade económica. Daí também a condenação da concorrência desenfreada, do lucro ilícito, a defesa da regra da reciprocidade do valor nas actividades de troca e empréstimo, a condenação da usura, da fraude e dos jogos de sorte e azar.

A concepção dos negócios humanos, neste plano de temporalidade, não esquece nunca a eminência do fim do homem, encarando por isso a economia como meio de honesto sustento. A regra que poderíamos chamar "de ouro" desta visão moralizadora da actividade económica encontra-a o autor em Mateus, VII, 12:«Tudo o que quereis que vos façam os homens, fazei-o vós também a eles».

É aqui que reside o significado mais profundo do conceito de justiça comutativa que dá título à sua obra, a qual se divide em três partes. A primeira analisa o domínio civil ou propriedade. A segunda a usura, a fraude e a arte cambiária. A terceira o comércio e os jogos de sorte e azar.

No tocante ao primeiro aspecto, entende que a propriedade não é uma realidade imposta pelo direito natural, pois que Deus criou a terra comum a todos os homens, acomodando-se no entanto a esse mesmo direito. De facto, como o fim do direito natural é o de assegurar as condições para a dignificação da pessoa humana, segue-se que, após o pecado, se a propriedade não tivesse sido entregue aos mais sábios e prudentes para que a administrassem à luz de uma perspectiva de responsabilidade social, os maus e pérfidos apoderar-se-iam dos bens da terra, utilizando-os exclusivamente em proveito próprio. Deriva daqui a ideia de que os senhores são essencialmente administradores do tesouro dos pobres, como também a tese de que não pode ser considerado pecaminoso o acto de apropriação de bens alheios desde que tenha por causa manifesta a satisfação de necessidades extremas, pois que a vida é um valor superior ao domínio dos bens materiais, como considerara também S. Tomás, na análise do pecado do roubo.

A segunda parte aborda o célebre tema dos juros e usuras. Com efeito, a justiça comutativa impõe a reciprocidade na troca de bens e valores, pelo que os juros se apresentam como uma quebra intolerável dessa mesma regra. Mais ainda, eles assentam numa venda do tempo, que é um bem comum, não podendo por isso ser objecto de troca ou de apropriação pessoal. Logo, o juro é um roubo exercido contra a natureza e contra o bem do próximo.

Na terceira parte deve destacar-se o facto de considerar a actividade comercial como criadora de valor, mas também aqui a sua preocupação é a de definir as regras do lucro lícito: o mais importante é não considerar o lucro em si como o fim principal da actividade do comerciante, o lucro «ad infinitum», mas como mero intrumento de honesta sustentação da vida, devendo ser estritamente calculado com base nos trabalhos, riscos, despesas de transporte e outros, mais uma vez sobressaindo a argumetação ética que deste modo recusa o reconhecimento de uma "racionalidade" económica independente e autónoma.

Obras
Tractatus perutilinans de iustitia commutativa et arte campsoria seu cambiis ac alearum ludo, Paris, 1496 (edição bilingue em Latim e Português por Moses B. Amzalak, Frei João Sobrinho e as doutrinas económicas da Idade Média, Lisboa, 1945); conservam-se manuscritas as seguintes obras: Tractatus de conceptione Deiparae; Regimento de ouvir com perfeição o Santo Sacrificio da Missa; Tratados teológicos; Sermões diversos; genealogia e origem dos Braganções; Compendium operis conflatile magistri Francisci Mayronis Ord. Min.

Bibliografia
Moses Bensabat Amzalak, Frei João Sobrinho e as doutrinas económicas da Idade Média, Lisboa, 1945; Pedro Calafate, «Frei João Sobrinho», Logos-Enciclopédia Luso-Brasileira de Filosofia, Lisboa-São Paulo, 1989-92 (contém bibliografia).

Pedro Calafate


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