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J. P. de Oliveira Martins
Historiador e escritor (n. Lisboa, 30.4.1845-m. ibid., 24.8.1894). Órfão de pai, teve na adolescência de abandonar os estudos e empregar-se no comércio. Administrador e director de empresas, foi também deputado e ministro da Fazenda. Elemento preponderante do grupo dos «Vencidos da Vida» e animador da «Geração de 70», revelou uma elevada plasticidade às múltiplas correntes de ideias que atravessaram o seu século.
Nesse sentido, foi um autor ecléctico, atitude filosófica que nele traduzia um espírito de abertura mental avesso à cristalização em sistemas rigidamente constituídos, oscilando, por isso, entre o racionalismo iluminista, o positivismo e o movimento de ideias dos românticos alemães. Daí também a possibilidade de, ao longo da sua vida, podermos delimitar etapas várias e fases distintas que marcaram outros tantos momentos de assimilação crítica e de adesão às ideias da época. Atitude que sempre o caracterizou foi a de um vincado pendor para os problemas morais, logo manifestado na publicação do seu primeiro livro, Febo Moniz, romance histórico, escrito sob a inspiração de Alexandre Herculano, e posteriormente reforçado numa concepção da história como mestra da vida e dos costumes. Este espontâneo eticismo favorecerá a simpatia com que encarou a obra de Proudhon, na linha fundamental que percorreu os escritos deste autor: a ideia de justiça universal.
Proudhon representa, por isso, um encontro e uma adesão natural para Oliveira Martins. Como mais tarde escreveria, a justiça era «a própria substância da alma humana que o tempo nos vai gradualmente revelando [...] Essa revelação é a razão da nossa existência.» Todavia, a grande projecção alcançada no seu século por Hegel, que Oliveira Martins considerava «o Aristóteles da idade moderna», conduzi-lo-á à tentativa de explorar as potencialidades do pensamento do filósofo de Iena. A tendência hegeliana e idealista explica em boa medida a sua oposição a certos aspectos do positivismo, nomeadamente à indiferença deste perante a metafísica. Deste modo, procurou realizar o que designava como a fusão do «génio francês» com o pensamento alemão, de modo a expurgar este último do «dogmatismo escolástico» que o animava na mãe-pátria, num panorama ecléctico, que conciliava «a justiça com a filosofia objectiva». De filosofia objectiva se tratava, de facto, porque, para Oliveira Martins, a verdadeira realidade era de natureza ideal, residindo no espírito, como afirmou na sua História de Portugal. Nesse sentido, a história do homem mais não era, na sua substância, do que a revelação do espírito: «A manifestação do Espírito consciente, na sua plenitude, é o princípio do mundo e a finalidade da História.» Concepção ontológica da História em que a revelação progressiva do espírito constitui a «lei fatal da evolução», mediante a qual o indivíduo se vai gradualmente afirmando um ser moral e livre e que, em Portugal e o Socialismo, identificava com o advento do socialismo.
Aspecto a realçar é, pois, o seu esforço em libertar o conceito de evolução, que Antero de Quental definiria como a ideia central do século, de uma exclusiva visão mecanicista do universo, remetendo-a para o âmbito da metafísica. Por isso, nos Elementos de Antropologia defendeu que, se a ciência natural confirmava e impunha a tese da evolução do homem, este não era, todavia, um ser exclusivamente natural, mas também um ser moral e livre, sendo, portanto, pela manifestação do seu espírito consciente que verdadeiramente se afirmava. Concepção ontológica mas igualmente concepção finalista da história: a história acaba no dia em que o homem obtiver a soma de espírito consciente de que é capaz, esse dia só pode chegar quando a unificação de todas as raças e a civilização de todos os povos estiverem consumadas.
Nesse anseio de constituição de uma filos. da história consequente, preocupou-se, de igual modo, em escapar à rigidez determinista, teorizando o lugar do fortuito e do acaso em história: as leis que presidem ao espírito não são exactamente as mesmas que presidem aos acontecimentos que a história descreve. Para que essa identificação fosse possível, para que de uma mesma coisa se tratasse, seria mister que o indivíduo fosse capaz de manifestar o Espírito na sua pureza ideal, «um tal homem teria sido um Deus e não poderia haver mais de um homem assim». Verifica-se, portanto, uma diferença entre lógica e história, a mesma que obriga a distinguir o «homem real» do «homem ideal», de que aquele é apenas uma «imagem rude». É nessa distância entre lógica e história que situa o âmbito de intervenção do acaso e do fortuito, enquanto cruzamento de séries causais independentes. Aí reside também a explicação para a diferença de critérios com que analisa o nosso passado histórico, expressa na História da Civilização Ibérica e na História de Portugal. Enquanto na primeira destas obras se preocupa com a análise daquilo que designa como «a corrente íntima da história», à luz de um critério necessariamente metafísico, expressa pela ideia romântica de «alma nacional» dos povos, encarnando nos seus heróis (cf. também Camões e a Renascença ... ), já na segunda constrói, como num teatro dramático, a história dos actos individuais, desligados do seu suporte ideal. Enquanto ao nível metafísico tudo é sublime e puro, porque tudo é de natureza ideal, ao nível fenoménico a história tende a surgir como um espectáculo vil de misérias, paixões e lutas de interesses privados, que, todavia, educa moralmente, pelo sentimento de repulsa que em nós gera.
No entanto, abarcando um nível metafísico e um plano fenoménico do individual e particular, a história abrange também uma vertente de cientificidade: sendo animadas espiritualmente, as sociedades constituem, no entanto, organismos sujeitos a condições estáticas e dinâmicas, regendo-se por ciclos de nascimento, ascensão e decadência. Assim, na introdução a O Helenismo ..., escreve: «No momento, porém, em que aplicando à história os processos científicos, a observação e o método e abandonando as abstracções que só noutra esfera têm lugar, procurarmos indagar se existe ou não um sistema de leis invariáveis e constantes, seja qual for a soma de circunstâncias fortuitas que dêem individualidade própria a cada exemplo, teremos de reconhecer a existência de tais leis com o carácter indispensável de individualidade e constância.» Não ficou, por isso, inteiramente surdo à mentalidade cientifizante e, pela determinação destes três níveis na constituição do conhecimento histórico, pretendeu já Albert Silbert aproximá-lo da concepção dos três tempos históricos de F. Braudel, que tanta fortuna alcançaria na história contemporânea. Considerando ainda a abertura de Oliveira Martins perante o pensamento metafísico alemão, deve destacar-se o seu encontro com a obra de E. Hartmann, sobretudo a partir de 1878, no seu artigo «As Eleições». Nesta fase, é à Filosofia do Inconsciente, de Hartmann, que ele irá retirar o significado da emergência histórica da «consciência» sobre o predomínio anterior de elementos «inconscientes». Visão optimista que cedo se desvanecerá.
Após o malogro da sua experiência política e governativa, entra numa fase de pessimismo e descrença. O mundo surge-lhe, a partir de finais da década de 80, como um irremediável espectáculo de contradições insofismáveis. Desvanece-se a crença na vitória da Justiça, da Ideia ou da Consciência. A paz, a harmonia e a justiça eram ideias que habitavam decididamente dentro de nós, em radical desfasamento com a realidade observável, e esse paradoxo afigurou-se-lhe, desde então, inultrapassável. Encarava então o mundo à luz do predomínio do inconsciente irracional de Hartmann, ancorando-se ainda ao pessimismo de Schopenhauer, encontrando apenas na arte uma vaga e momentânea possibilidade de conforto.
Obras
Febo Moniz, 1867; Teófilo Braga e o Cancioneiro e o Romanceiro Português, 1869; Os Lusíadas - Ensaio sobre Camões e a Sua Obra, em relação a Sociedade Portuguesa e ao Movimento da Renascença, 1872; A Teoria do Socialismo - Evolução Política e Económica da Europa, 1872; Portugal e o Socialismo - Exame Constitucional da Sociedade Portuguesa e a Sua Reorganização pelo Socialismo, 1873; História da Civilização Ibérica, 1879; História de Portugal, 1879; O Brasil e as Colónias Portuguesas, 1880; Elementos de Antropologia, 1880; Portugal Contemporâneo, 1881; As Raças Humanas e a Civilização Primitiva, 1881; Sistema dos Mitos Religiosos, 1882; Quadro das Instituições Primitivas, 1883; Regime das Riquezas, 1883; Taboas de Cronologia, 1884; História da República Romana, 1885; Projecto de lei sobre o fomento rural, 1887; Portugal nos Mares, 1889; Os filhos de D. João I, 1891; Portugal em África, 1891; Camões e os Lusíadas, 1891; A Inglaterra de Hoje, 1892; Vida de Nun'Álvares, 1893; Cartas Peninsulares (vol. póstumo), 1895; O Príncipe Perfeito (vol. póstumo), 1896, O Helenismo e a Civilização Cristã, 1877. Para além dessas obras de fundo, há ainda uma vasta colaboração em publicações periódicas, como Revista Ocidental, Revista de Portugal, A República, Província.
Bibliografia
Antero de Quental, «Teoria do Socialismo, por J. P. de Oliveira Martins» (1873), in Prosas, vol. II, Coimbra, 1926; id., «Le Portugal Contemporain - Oliveira Martins», (1884), in Prosas, vol. III, Coimbra, 1931; E. Castelar, A «História de Portugal» de Oliveira Martins, Porto, 1884; J. J. Rodrigues de Freitas, O «Portugal Contemporâneo» do Sr. Oliveira Martins, Porto, 1881; Moniz Barreto, «Oliveira Martins - Estudo de Psicologia» (1887), in Ensaios de Crítica, Lisboa, 1944; id., «A Inglaterra de Hoje, por Oliveira Martins» (1893), in Estudos Dispersos, Lisboa, 1963; Ramalho Ortigão «Na morte de Oliveira Martins» (1895), in Figuras e Questões Literárias, vol. II, Lisboa, 1945; Guilherme de Oliveira Martins, «Esboço biográfico de J. P. Oliveira Martins», in Cartas Peninsulares, Lisboa, 1895; id., Últimos dias de J. P. Oliveira Martins, Lisboa, 1895; J. A. da Silva Cordeiro, Oliveira Martins e o germanismo na política., in A Crise em seus aspectos morais, Coimbra, 1896; José Osório de Oliveira, Oliveira Martins e Eça de Queirós, Lisboa, 1922; António Sérgio, «Oliveira Martins, impressões sobre o significado político da sua obra», in Oliveira Martins, Dispersos, Lisboa, 1923 (republicado in Ensaios, t. v, Lisboa, 1963); id., «Glosas sobre o miguelismo de Oliveira Martins», in Ensaios, t. v, Lisboa, 1955; id., «Sobre o Socialismo de Oliveira Martins» e «Nota preambular à Teoria do Socialismo», in Ensaios, t. VIII, Lisboa, 1958; António Sardinha, «Oliveira Martins», in Ao Princípio Era o Verbo, Lisboa, 1924; id., De Vita et Moribus - Casos de Almas, Lisboa, 1931; Albino Forjaz de Sampaio, Oliveira Martins, a sua vida e a sua obra, Lisboa, 1926; Manuel da Silva Gaio, Os Vencidos da Vida, Coimbra, 1931; Luís de Magalhães, «Oliveira Martins - o historiador e o político», in Oliveira Martins, Perfis, Lisboa, 1930; Fidelino de Figueiredo, História dum «Vencido da Vida», Lisboa, 1930 (com ampla bibliografia); Georges Le Gentil, Oliveira Martins, algumas fontes da sua obra, Lisboa, 1935; F. A. de Oliveira Martins, Oliveira Martins perante o problema colonial e a crise, Lisboa, 1941; id., D. Carlos I e os «Vencidos da Vida», Lisboa, 1942; id., O Socialismo na monarquia - Oliveira Martins e a «Vida Nova», Lisboa, 1944; id., Eça de Queirós, Oliveira Martins e a «Vida Nova», Lisboa, 1950; id., Oliveira Martins e os seus contemporâneos, Lisboa, 1960; id., Nótulas à margem de duas biografias, Oliveira Martins e Guerra Junqueiro, sep. da rev. Ocidente, Lisboa, 1963; id., Oliveira Martins, Teófilo Braga e a Academia das Ciências de Lisboa, sep. do Boletim da Academia Portuguesa de Ex-Libris, Lisboa, 1963; id., Oliveira Martins, moralizador e renovador da política nacional, in ibid., 1945; Rui Ulrich, Oliveira Martins, o Economista, Lisboa, 1945; Queirós Veloso, No centenário do nascimento de Oliveira Martins, o historiador, Lisboa, 1945; Vieira de Almeida, «Oliveira Martins», in Ocidente, Abril de 1945; Raul Leal, Sociologia de Oliveira Martins, Porto, 1945; Manuel Múrias, «A interpretação da história na obra de Oliveira Martins», in Vencidos da Vida, Lisboa, 1946; António José Saraiva, «Três ensaios sobre Oliveira Martins», in Para a História da Cultura em Portugal, Lisboa, 1946(?); Óscar Lopes, Oliveira Martins e as contradições da Geração de 70, Porto, 1946; Henrique de Barros, Oliveira Martins e o «Projecto de Lei do Fomento Rural», Lisboa, 1946; César Nogueira, Notas para a História do Socialismo em Portugal. Lisboa, 1964; Pedro Calafate, «História e Filosofia da História em Oliveira Martins», in Prelo, IN-CM, n.º 7, Lisboa, 1986; id., «Oliveira Martins, a filosofia da história e a imagem dos jesuítas», in Ao Encontro da Palavra - Homenagem a Manuel Antunes, Lisboa, 1986; M. Viegas Guerreiro, A Antropologia em Oliveira Martins, Lisboa, 1988; J. P. Oliveira Martins, Temas e Questões, antologia de textos, Prefácio, org. e notas de Guilherme de Oliveira Martins, Lisboa, 1981.
Pedro Calafate
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