A passarola de Bartolomeu de Gusmão faz parte do imaginário nacional. O primeiro homem a voar teria sido português. O seu dirigível seria aquela barca elevada por ar quente, uma espécie de cesto onde cabiam homens e instrumentos.
No entanto, quem perceba um mínimo de física reconhece, imediatamente, que aquela construção não se poderia elevar nos ares. Que se passou, afinal?
Bartolomeu Lourenço de Gusmão nasceu em Dezembro de 1685 em Santos, no Brasil, que era então território português. Estudou em Belém, na Baía, ingressou na Companhia de Jesus e deslocou-se definitivamente para a capital em 1708. Ainda no Brasil, destacou-se como inventor, tendo construído uma bomba hidráulica que elevava a água do rio até ao Seminário onde estudava. Em 1709 teria já a ideia de construir uma máquina voadora, pelo que dirigiu ao rei D. João V uma petição em que requeria para si uma patente sobre os proveitos de um «instrumento que inventou para andar pelo ar». Nesse documento, enumera as vantagens do desenvolvimento futuro do seu invento, tanto para as comunicações como para a guerra e o comércio. Sabe-se que o rei despachou favoravelmente a petição.
Ainda no mesmo ano, nos primeiros dias de Agosto, Bartolomeu de Gusmão fez várias experiências perante o rei e a corte. Conseguiu elevar ao ar «mais de vinte palmos», no dizer de um cronista da época, «um globo de papel grosso, metendo-lhe no fundo uma tigela com fogo». Esta demonstração é tudo o que se conhece com segurança sobre as experiências do Padre Bartolomeu. Sem que se saibam as razões, as experiências terminaram. Não é de crer que elas tenham sido um fracasso total, pois os cronistas são unânimes em descrever a subida destes balões de ar quente, que muito surpreenderam a assistência.
Há quem afirme que o abandono das experiências foi motivado pela tremenda chacota que os ignorantes e invejosos fizeram do seu invento. Ainda antes das suas demonstrações junto à corte, os boatos circulavam pela capital. O povo alcunhava o padre de «Voador», e o seu engenho volante passou a ser chamado «Barcarola». Circulavam chacotas e pasquins ridicularizando o inventor. Um poeta escreveu, entre outras, uma poesia intitulada «Ao novo invento de andar pelos ares». Aí se queixava do dinheiro gasto na construção desta «urdida paviola» e dizia que «Esta fera Passarola/ ... Assim eu fora cedo santo/ Como se há-de acabar cedo».
Misturando-se facto e ficção, o relato das experiências do padre Bartolomeu chegou aos nossos dias envolto numa áurea de mistério que os desenhos fantasiosos da fantasiosa Barcarola ajudaram a construir. Essas fantasias, propagadas pela chacota popular, desprestigiam o inventor português. A honra de voar pela primeira vez num balão haveria de caber a dois franceses, Pilâtre de Rozier e o marquês de Arlandes, que se elevaram nos ares em 1783, 74 anos depois das experiências de Gusmão. Mas a honra de construir pela primeira vez um balão capaz de subir por meio de ar quente cabe - segundo o que se sabe ao certo - ao inventor português.
Nuno Crato