Agostinho Lourenço (1826-1893)

Agostinho Vicente Lourenço nasceu a 8 de Março de 1826 na vila de Margão, concelho de Salsete, na Índia, filho do médico Nicolau Lucio da Conceição Lourenço e de Maria Aurora Alvares. Realizou os seus estudos iniciais nesta colónia portuguesa, sendo graduado pela Escola Médico Cirúrgica de Goa. Em 1847 foi nomeado lente substituto desta escola. Dando continuidade a uma prática habitual das câmaras agrárias da Índia, que subsidiavam estudantes de reconhecido mérito para aperfeiçoarem os seus estudos na Europa, veio para Lisboa, onde chegou a 30 de Junho de 1848. Aqui, com o auxílio do governo português, que lhe concedeu uma outra pensão duplicando a que já trazia da Índia, obteve os meios necessários para ir estudar para Paris.

Terá chegado a Paris em 1848 ou 1849, e durante os primeiros tempos dedicou-se ao aperfeiçoamento dos seus conhecimentos médicos. No entanto, o seu interesse primordial passou a ser a química, à qual se veio a dedicar a tempo inteiro. Em 1853 obteve o diploma de engenheiro-químico da École Centrale des Arts et Manufactures, de Paris, e o grau de Doutor em Ciências pela Universidade de Paris. Entre 1859 e 1861 trabalhou no laboratório de Adolphe Wurtz, (1817-1884) com resultados que motivaram diversos elogios dos seus pares. Para além deste laboratório trabalhou também nos de Justus von Liebig (1803-1873) e de Robert Wilhelm Bunsen (1811-1899), na Alemanha, e ainda no de August Wilhelm von Hoffmann (1818-1892), em Londres.

A Faculdade de Medicina de Lyon convidou-o para reger a cadeira de Química e Toxologia. O seu nome foi também indicado para organizar o ensino das ciências físico-químicas no Egipto. Mas Portugal propôs-lhe a cátedra de Química Orgânica da Escola Politécnica de Lisboa, que aceitou. Em 1861 veio para Portugal, tendo assumido a regência da Química Orgânica na Escola Politécnica de Lisboa em 1862.

Actividade científica

A actividade científica mais importante de Agostinho Lourenço foi desenvolvida enquanto esteve em Paris. Aí realizou investigações e experiências sobre glicóis e óxidos de etileno. Preparando vários polímeros a partir do glicol e glicerina, previu a existência de álcoois polietilénicos e éteres poliglicéricos, numa altura em que a aplicação de polímeros não estava ainda presente. A sua actividade estava integrada na escola de investigação de Wurtz, partidário do modelo orgânico, defendendo que os compostos químicos podiam ser encarados como um todo cujas partes podiam ser substituídas, produzindo assim uma série de compostos análogos.

Eduardo Burnay, na sua biografia de Agostinho Lourenço, traduz assim um extracto do relatório de J-B. Dumas (1800-1884) e A-J. Balard (1802-1876), apresentado à Academia das Ciências de Paris em 1861: "Depois da fortuna de descobrir e descrever séries novas, ligam os químicos grande apreço a esta ordem de trabalhos, que permitem passar de uma dada série para outra vizinha. O sr. Lourenço, numa das suas últimas comunicações, ensinou-nos um método para passar da glicerina ao glicol propílico, e do próprio glicol ao álcool ordinário. Partindo do facto de que a glicerina monoclorídrica tinha a mesma composição que o propiglicol monoclorado, e que a cloridrina do glicol poderia semelhantemente ser considerada como representando o álcool ordinário monoclorado, conseguiu passar de um destes álcoois para o outro substituindo o hidrogénio ao cloro, com um êxito, que sem dúvida permitirá aplicar este método de uma maneira geral e relacionar com uma série inferior mais desenvolvida qualquer termo isolado de uma série superior ainda pouco conhecida."

Enquanto esteve em Paris publicou nove artigos nos Comptes-Rendues da Academia das Ciências de Paris. O trabalho de Lourenço foi referido por diversas vezes nos textos de Wurtz, nomeadamente realçando o facto de ele ter sido o primeiro investigador a obter o "álcool dietilénico", que designou por "éter intermediário do glicol". Para além de outras contribuições específicas de relevo, as conclusões de Lourenço contribuíram, juntamente com as de outros investigadores desta escola de investigação, para que Wurtz elaborasse a sua concepção teórica, que defendia a unificação da química orgânica e da química mineral, tendo as suas experiências sido importantes para a consolidação da teoria atómica.

Tendo optado, em 1861, pelo regresso a Portugal, Agostinho Lourenço terá tentado ainda prosseguir a investigação, mas de facto não deu continuidade às pesquisas desenvolvidas em Paris, tendo publicado apenas dois trabalhos relacionados com o seu trabalho no laboratório de Wurtz. Dedicou-se quase por inteiro à regência da sua cadeira, fazendo, paralelamente, análises diversas a águas e minérios. Entre as análises de águas minerais que realizou destacam-se as de nascentes do distrito de Lisboa, de Chaves e de Vizela. Contribuiu para dotar com instrumentos e processos novos o laboratório químico da Escola Politécnica, sendo seu director durante alguns anos. Fazia viagens regulares ao estrangeiro, visitando laboratórios e participando em congressos.


Publicações

"Note sur la formation d'un ether intermediaire du glycol, Comptes Rendus de l'Academie des Sciences, XLIX, 1859, 619-620.
"Sue les ethers composés du glycol", Comptes Rendus de l'Academie des Sciences, L, 1860, 91.
"Action des chlorures organiques monobasiques sur le glycol et les ethers composés", Comptes Rendus de l'Academie des Sciences, L, 1860, 188.
"Sur les Alcools Polyethyléniques", Comptes Rendus de l'Academie des Sciences, LI, 1860, 365.
"Series intermediaires de composés polyathomiques", Comptes Rendus de l'Academie des Sciences, L, 1860, 607.
"Sur l'ether de glycol », Bulletin de la Societé chimique, 1860, 207.
"Alcools et Anhydrides Polyglycériques", Comptes Rendus de l'Academie des Sciences, LII, 1861, 359.
Sur quelques ethers de Glycerine", (Em colaboração com Pierre Reboul), Comptes Rendus de l'Academie des Sciences, LII, 1861, 401.
"Sur quelques ethers ethyliques des alcools polyglyceriques", (Em colaboração com Pierre Reboul), Comptes Rendus de l'Academie des Sciences, 1861.
"Transformation de la glycerine en propylglycol", Comptes Rendus de l'Academie des Sciences, LII, 1861, 1043.
"Recherches sur les composés polyathomiques", Annales de chimie et de physique, 3e. série, LXVII, 1863, 186.
Renseignements sur les Eaux minerales portugaises, Paris, E. Dentu, 1866.
"Relatorio das analyses chimicas das aguas minerais do Concelho de Chaves", Diario de Lisboa, 115, 1865; Gazeta Médica de Lisboa, 337, 368, 397, 1865.
"Relatorio e analyses das aguas de Vidago, Jornal da Sociedade das Sciencias Medicas, 3a. 12, 1865; 1, 1866.
"Trabalhos preparatórios ácerca das aguas minerais do reino" (em colaboração com Tomás de Carvalho e J. B. Schiappa d’Azevedo), Diário de Lisboa, 26-08-1867; Gazeta Médica de Lisboa, 1867-1868; Escholiaste medico, 1867.
Banhos sulfureos do Arsenal de Marinha, Lisboa, 1878.
Algumas informações sobre as aguas sulfureas salinas do Arsenal da Marinha, Lisboa, 1889.

Fernando Reis

Bibliografia

BURNAY, Eduardo, Elogio Historico do Dr. Agostinho Vicente Lourenço, lido na Sessão Publica da Academia Real das Sciencias de Lisboa, em 17 de Dezembro de 1893, pelo socio efectivo Eduardo Burnay, Lisboa, Typographia da Academia, 1893.
CARNEIRO, Ana, The Research School of Chemistry of Adolphe Wurtz, Paris, 1853-1884, Thesis, Canterbury, University of Kent, , 1992.
FIGUEIREDO, João Manuel Pacheco de Figueiredo, Agostinho Vicente Lourenço e Francisco Luís Gomes, sep. de O Médico, n.º 524, 1961.
Museu de Ciência da Universidade de Lisboa, Químicos Portugueses (1780-1930), relações científicas com outros países europeus, Lisboa, Museu de Ciência, 1993.
NUNES DOS SANTOS, A. M. "Agostinho Vicente Lourenço e a Química Orgânica do Séc. XIX", Colóquio/Ciências, 15, Setembro 1994, 83-102.

Apontadores

O Laboratório Chimico da Escola Politécnica
Ciência Em Portugal – Personagens e Episódios – O Laboratório Chimico da Escola Polytechnica


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