José Júlio Bettencourt Rodrigues (1843-1893)

Formou-se em matemática na Universidade de Coimbra, e foi professor no antigo Liceu Nacional de Lisboa e lente de Química na Escola Politécnica de Lisboa e no Instituto Industrial e Comercial de Lisboa. Foi nomeado lente substituto da 6ª cadeira e de Química Inorgânica da antiga Escola Politécnica de Lisboa, passando a lente proprietário em 1887, na vaga aberta pela morte de António Augusto de Aguiar. Foi sócio da Academia Real das Ciências de Lisboa, do Instituto de Coimbra, da Sociedade de Geografia, da Sociedade de Ciências Médicas, da Société des Gens de Lettres, e da Sociedade Francesa de Fotografia, entre outras.

(clique na imagem acima para ver ampliação)

José Júlio Bettencourt Rodrigues

Actividade Científica

Como docente da 6ª cadeira, 1ª parte Química Inorgânica e 2ª parte Química Orgânica, e da cadeira de Química Orgânica na Escola Politécnica de Lisboa, destacou-se pelo pendor experimental que dava à sua acção pedagógica, nomeadamente a partir do apetrechamento, modernização e organização do Laboratório de Química, de que é um dos principais responsáveis. Introduziu as aulas práticas, estruturadas com programas e manuais inovadores, em que todos os alunos eram chamados ao laboratório, para fazerem eles próprios as experiências. Sob a direcção de Bettencourt Rodrigues, passa a exigir-se aos alunos que confirmem experimentalmente os resultados e que sejam preparados para aplicar à investigação ou à indústria os conhecimentos adquiridos. Contactou com vários químicos importantes da sua época, revelando o seu empenhamento num paradigma de química que tinha já optado pela teoria atómica e pela teoria unitária. Entre os químicos estrangeiros com quem contactou, destaca-se para August von Hofmann (1818-1892), que veio a Portugal, tendo visitado, em 1890, o Laboratório Químico da Escola Politécnica. (Ver Episódio – O Laboratório Chymico)

Na Escola Politécnica, valorizou as aplicações industriais e aperfeiçoou processos fotográficos e tipográficos. Foi incentivado por Filipe Folque (1800-1874) a desenvolver investigações e estudos dos processos de publicação de cartas corográficas através da utilização de novos métodos como a heliogravura e a fotolitografia, na tentativa de substituir os processos então em uso de gravura em pedra e em cobre para a publicação de cartas corográficas e topográficas. Foi o fundador da Secção Fotográfica da Direcção Geral dos Trabalhos Geodésicos, Topográficos, Hidrográficos e Geológicos do Reino, oficialmente criada em 15 de Novembro de 1872. Em 1873 fez uma viagem a Paris, para se inteirar dos processos aí utilizados. Em 1874 apresentou-se na X Exposição da Sociedade Francesa de Fotografia, tendo ganho uma medalha de ouro pelos exemplares apresentados, que consistiam em fotolitografias, fotozincografias, heliogravuras, entre outros.

Em 1875 organizou na Academia Real das Ciências de Lisboa a primeira exposição nacional fotográfica, onde apresentou os resultados do trabalho desenvolvido até então. A sua actividade foi intensa, produzindo 14000 estampas (fotolitografias), cerca de 500 fotogravuras tipográficas e mais de 70 cópias fotográficas com sais de prata. Este serviço era o único existente na Península Ibérica, e um dos primeiros em todo o mundo. Representou Portugal no Congresso Internacional de Geografia organizado pela Sociedade de Geografia de Paris, em 1875, onde recebeu rasgados elogios relativamente à qualidade do serviço que dirigia em Portugal. Enquanto esteve em Paris assinou um acordo internacional que estabelecia a obrigação dos países signatários de criar um instituto de permutações científicas, literárias e artísticas.

Na sequência do Congresso Internacional de Geografia foi fundada em Portugal a Sociedade de Geografia de Lisboa, onde integrou o seu Conselho Central, e a Comissão Central Permanente de Geografia, onde foi nomeado secretário. Esta Comissão propôs ao Governo, em 1876, a organização de uma expedição portuguesa para investigação e exploração do interior africano. Esta expedição veio a ser decidida em 1877, com a escolha dos exploradores, Hermenegildo de Brito Capelo (1841-1917), Alexandre Alberto da Rocha Serpa Pinto (1846-1900), e Roberto Ivens (1850-1898). As instruções para esta expedição foram redigidas pelo naturalista J. Vicente Barbosa du Bocage (1823-1907) e por José Júlio Rodrigues. Os fins da expedição e os seu âmbito geográfico eram assim definidos: “A expedição terá por principal objectivo o estudo do rio Cuango nas suas relações com o Zaire e com os territórios portugueses da costa ocidental, e bem assim toda a região que compreende, ao sul e a sueste, as origens do rio Zambeze e Cunene, e se prolonga ao norte até entrar pelas bacias hidrográficas do Cuanza e do Cuango. A exploração do Cunene até à sua foz, deverá reputar-se compreendida nos encargos da expedição, quando não haja incompatibilidade entre aquela exploração e a que, por sua particular importância constitui a principal obrigação dos expedicionários.” (cit. in Mendes, p. 40)

Entre as funções que os exploradores tinham que desempenhar, interessam aqui as questões científicas, que consistiam em fazer determinações magnéticas, termométricas, barométricas, hipsométricas, entre outras, para além de estudarem a climatologia, a hidrologia e avaliarem as distâncias percorridas. Deviam ainda recolher espécimes naturais.

A sua obra de investigação de maior relevo é o Estudo sobre as bases fundamentais dos novos pesos atómicos e suas relações físicas mais notáveis, Lisboa, 1867. Em colaboração com António Augusto de Aguiar, compôs outra obra também muito apreciada, o Curso elementar de ciências físicas e naturais para uso dos liceus, Lisboa, 1868, na qual foi responsável pela parte da Mineralogia.

Bettencourt Rodrigues aperfeiçoou diversos equipamentos para usos industriais. Na fábrica nacional de tinta de imprensa, ensaiou novos processos para o fabrico dessa tinta, com óleo de resina. Referencia o aproveitamento da batata doce para a extracção do álcool e da fécula, e a extracção do açúcar de beterraba. Fez ainda diversas experiências de iluminação pública com luz eléctrica, nomeadamente através da instalação de um circuito de iluminação numa sala da Biblioteca da Academia das Ciências de Lisboa.

Publicações

Estudo sobre as bases fundamentaes dos novos pesos atomicos e suas relações physicas mais notaveis, Lisboa, 1867.
Curso Elementar de Sciencias Physicas e Naturaes para uso dos Lyceus, (com António Augusto Aguiar), Lisboa, 1868.
Breve noticia sobre a composição chimica das aguas mineraes das Pedras Salgadas (em colaboração com Bernardino António Gomes), Coimbra, 1871.
Breve noticia ácerca de uma nascente mineral em Trás-os-Montes, perto de Rebordochão, Lisboa, 1871.
“Descrição do processo photozincographia, usado pela secção photographica da Direcção Geral dos Trabalhos Geodésicos”, Jornal de Sciências Mathematicas, Physicas e Naturaes, Lisboa, 1873.
“Novo modo de evitar as matrizes negativas usuaes em muitos processos de photolitographia e heliogravura, substituindo-as por outros em geral mais perfeitos e de fácil execução”, Jornal de Sciências Mathematicas, Physicas e Naturaes, Lisboa, 1874.
Vários esclarecimentos comprehendendo a photographia aplicada aos trabalhos geographicos e processo de impressão photographica com tintas gordas, Lisboa, 1875.
Congrès international des sciences geographiques, Paris, 1875. (Catalogue de l’exposition du Portugal)
Direcção Geral dos Trabalhos Geographicos e Geologicos de Portugal – Secção photographica – Documentos, apreciações e varios esclarecimentos (1º fascículo), Lisboa, 1875.
A secção photographica ou  artistica da Direcção Geral dos Trabalhos Geodésicos no dia 1º de Dezembro de 1876 (breve notícia com 12 espécimes), Lisboa, 1876.
XIe. Exposition de la Société Française de Photographie – Service Photographique du Gouvernement de Portugal (notícia), Paris, 1876.
Le service photographique du gouvernement portugais, Lisboa, 1877;
Annaes da Comissão Central Permanente de Geographia, (redigidos por Luciano Cordeiro e revistos por J. J. R.) nº 1, Dez. 1876.
Expedição geographica ao continente africano, encetada no ano de 1877 – História abreviada (folha volante), Lisboa, 1877.
Livros de Viagem da Expedição Portugueza á Africa Central e MeridionalDois modelos, Lei de 12 de Abril de 1877.
Expedição Africo-Portugueza de 1877 – Extracto de um mapa africano de A. Petermann (1876) contendo a zona de exploração compreendida entre Bié e os rios Cunene e Zambeze, Lisboa, 1877.
Itinerários seguidos pelos principais exploradores africanos – Extracto de um mappa distribuído pela Sociedade Belga de Geografia, acrescentado com o novo itinerário proposto pelos actuaes exploradores portuguezes no continente africano, estando designado com tinta vermelha o limite provável da área oficial da expedição, Lisboa, 1877.
Carta da África Central e Meridional e dos territórios portuguezes ali contidos, expressamente redigida para servir para o estudo do itinerário da expedição Africo-portugueza de 1877, Lisboa, 1877.
Conferência feita perante a Sociedade de Geografia, em 27-XI-1877, a propósito da expedição portugueza à África Central e Meridional (resumo, numa folha volante), Lisboa, 1877.
Conferência realizada em 3-XI-1877, na sala de sessões da Comissão Central de Geografia, no Arsenal da Marinha, acerca do itinerário da expedição Africo-Portugueza, Lisboa, 1877.
Le service photographique du gouvernement portugais (notice), (destinado à Exposição da Sociedade Francesa de Fotografia), Lisboa, 1878.
Procédés photographiques et méthodes d’impression aux encres grasses, Paris, 1879.
Projecto summario de regulamento dos trabalhos e serviços do Laboratorio de Chimica Mineral da Escola Polytechnica de Lisboa, Lisboa, 1880.
Carta ao ilmo. e exmo. sr. conselheiro António Augusto de Aguiar, a propósito do presente inquérito industrial e dos direitos que deve pagar a tinta estrangeira de impressão, Lisboa, 1881.
Fabrica Nacional de tintas de imprensa, Lisboa, 1882.
Novo processo de fabrico de tinta typographica com oleos de resina, e noticia das formulas e apparelhos usados n’este fabrico, com uma gravura em madeira, Lisboa, 1884.
A Fábrica Nacional de Tintas de Imprensa – Contribuições para a história da indústria em Portugal, Lisboa, 1884;
“O cholera e seus inimigos” (conferência), Bibliotheca do povo e das escolas, Lisboa, 1884.
“Lisboa e o cholera (conferência)”, Bibliotheca do povo e das escolas , Lisboa, 1884.
Exposição a propósito dos concursos ao lugar de preparador da cadeira de Tehcnologia, perante o conselho do Instituto Industrial, Lisboa, 1884.
Exposição ao Conselho da Escola Polytechnica sobre o ensino e mais serviços da 6ª cadeira, Lisboa, 1885.
As aguas sulphureas do Mosqueiro e de Santa Maria de Gallegos, nos subúrbios de Barcelos, Lisboa, 1885.
“Cousas portuguezas”, in Biblioteca do Povo e das Escolas, n.º 103, Lisboa, 1885.

Fernando Reis

Bibliografia

MENDES, H. Gabriel, As Origens da Comissão de Cartografia e a Acção Determinante de José Júlio Rodrigues, Luciano Cordeiro e Francisco António de Brito Limpo, Lisboa, Junta de Investigação  Científica. do Ultramar, 1982.
Museu de Ciência, Químicos Portugueses (1780-1930), relações científicas com outros países europeus, Lisboa, Museu de Ciência, 1993.
Publicações de José Júlio Rodrigues, até Março de 1885, s. d.
Simples apontamentos de alguns trabalhos e serviços de José Júlio Rodrigues durante 28 annos de vida publica em Portugal publicações até Maio de 1892, Lisboa, Typographia da Academia, 1892.


© Instituto Camões 2003