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Martinho de Mendonça de Pina e Proença
Pedagogo e pensador (n. arredores da Guarda, 1693-m. Lisboa, 1743), foi um elemento participante no alvorecer do Iluminismo em Portugal, nomeadamente pela divulgação, entre nós, do pensamento pedagógico do Locke, Fénelon e Rollin.
Desde cedo cultivou os estudos de Retórica e Latim, mais tarde secundados com o curso de Filosofia, em Coimbra, que não terá, provavelmente, terminado. Regressado à sua terra natal e valendo-se de profícua biblioteca familiar, cultiva um fecundo autodidactismo, nomeadamente nos planos da Matemática, do Grego e do Direito.
Numa linha que terá importantes elementos de continuidade em Vernei, Ribeiro Sanches ou Castro Sarmento, desde cedo sente necessidade de contactar a dinâmica intelectual e filosófica de além fronteiras, aproveitando a viagem como meio de proximidade com os novos sistemas filosóficos e científicos.
Nestes termos, participa da atitude dos chamados «estrangeirados», que tanta importância alcançaram, até pela polémica gerada, na difusão dos novos sistemas do pensamento que, desde o séc. XVII, se vinham constituindo além-fronteiras.
Regressado a Portugal com uma experiência intelectual renovada, participa no movimento das academias, tendo sido membro da Academia dos Anónimos e da Academia Real da História Portuguesa, criada por D. João V, em 8. 12.1720, da qual foi um dos 50 sócios fundadores.
No entanto, a obra que o tornou mais célebre foram os seus Apontamentos para a educação de um menino nobre, integrada numa corrente mais vasta de literatura de «espelho de príncipes», que, com as naturais transformações, se vinha formulando desde a mais remota tradição medieval, nomeadamente a partir de S. Martinho de Dume.
A sua intenção inicial fora a de traduzir, para português, os Some Thoughts Concerning Education (1693) de John Locke, com a finalidade de orientar a educação de seus próprios filhos. A obra de Locke marcara, sem dúvida, uma fase importante do pensamento pedagógico europeu, dedicada à educação do gentleman, abordando as vertentes física, moral e intelectual, com primazia para a segunda, estrutura que Pina e Proença respeita no essencial, indo ainda buscar sugestões não menos importantes a Fénelon (De l'éducation des filles, 1688) e a Charles Rollin (Traité des Études, 1726).
Não deve espantar-nos, pois, que os Apontamentos constituam, na sua maior parte, um decalque do texto de Locke, ele próprio também influenciado por aqueles dois autores.
Obra dedicada à educação de um estrato social determinado, a nobreza, na qual ele próprio se integrava, abrange apenas aquilo a que hoje chamamos a educação infantil, primária e secundária.
No âmbito da educação física, a sua intenção era a de garantir a necessária robustez e perfeita disposição de quem tinha, entre as suas principais missões, a de participar na defesa militar do reino.
No plano da educação moral, considerada a parte mais essencial da educação dos meninos nobres, por consistir no «adorno das virtudes da alma», revela-se tributário dos princípios básicos da moral estóica, pregando a magnanimidade, a prudência e a justiça, à luz de um ideal de contenção e de moderação das paixões, apontando, ainda, como principais defeitos da educação da aristocracia «o génio soberbo e insolente» e a afectação ou «imitação forçada do que devia ser natural».
No que concerne à educação intelectual, pode considerar-se P. P. como um precursor da ideia de constituição de um Colégio Real dos Nobres, por que mais tarde tanto se bateria António Ribeiro Sanches. Do ponto de vista curricular, propõe um modelo de educação utilitária e pragmática. Assim, recusa um modelo de educação baseado na acumulação erudita de conhecimentos.
No seu ideal de ordem, clareza e simplicidade era patente, igualmente, a afirmação da criança não como um pequeno adulto mas como possuidora de especificidades e diferenças próprias, a que a pedagogia não deveria ficar indiferente.
O ideal defendido é, claramente, o da adaptação do discurso pedagógico às capacidades específicas da infância, recorrendo a discursos claros e breves e sublinhando, sempre, a importância pedagógica dos «exemplos» e das imagens sensíveis, na transmissão de noções abstractas. Apesar do seu desprezo pela retórica e suas regras, P. P. defende, aqui, uma técnica especificamente retórica, ligada à mnemotecnia da retórica clássica.
Em termos de conteúdos curriculares, deve destacar-se a defesa do ensino do francês e do inglês, percebidos como línguas de acesso à cultura e às ciências, a par do latim e da língua materna.
Mas para lá das artes do sermo, P. P. não esquece a importância da Geografia, da História e da Aritmética, esta última, na esteira de Port-Royal, entendida como arte de dirigir e aperfeiçoar as operações da mente, desligada das problemáticas tradicionais da lógica formal.
À Aritmética se seguiriam a Geometria, a Álgebra, a Trigonometria, a Física, o Direito Natural, das Gentes e Pátria, para além das artes militares e da guerra.
Saindo do plano da pedagogia, que tanta importância alcançaria nos debates das Luzes e entrando mais especificamente no espaço tradicional da Filos., devemos destacar, como fundamental, o seu prefácio à Historiologia Médica, do médico Rodrigues de Abreu.
Nesta obra, P. P. revela-se partidário do sistema de Cudworth, aprofundado por George E. Stahl, a que chama «sistema animástico». Aí, contra o mecanicismo e contra a teoria da preexistência dos germes, propugnada, esta última, por Malebranche, Leibniz e Boyle, defende o conceito de «mediador plástico», proposto por R. Cudworth (plastic natures, formative natures), como instância intermediária e mediadora entre a Primeira Causa e a produção do movimento e da vida. Afasta-se do mecanicismo, defendendo que tal substância imaterial «coexiste no espaço, com os corpos que o ocupam, de modo análogo à extensão», defendendo ainda que não é legítimo, na explicação do movimento dos corpos e dos viventes, recorrer exclusivamente à acção imediata do Autor e Motor da Natureza, pois «daí se seguiria que tudo quanto no mundo sucedesse seria um contínuo e repetido milagre e nada se produziria ou moveria por Princípio Interno [...]». Do mesmo modo, como dissemos, a teoria do mediador plástico permite-lhe atacar a concepção da preexistência dos germes, que tanta importância assumia na época, no âmbito das ciências naturais e da vida. Neste âmbito, parece-nos particularmente importante a forma como intervém no debate existente, na época, em torno do problema dos monstros e sua articulação com os conceitos de ordem natural e providência divina. Para P. P., a existência de seres naturais monstruosos é uma prova indesmentível de que não saíram, imediatamente, das mãos do Criador, mas, sim, que são o resultado da acção imediata «de alguma causa segunda imperfeita que encontrou impedimento, que não pode vencer para os formar perfeitos».
Bibliografia
M. A. Ferreira-Deusdado, Educadores Portugueses, Angra-Coimbra, 1909; Joaquim de Carvalho, «Um pedagogo do século XVIII,Martinho de Mendonça», in Arquivo Pedagógico, vol. I. n.º 4, Coimbra, 1927; id., «Introdução ao Ensaio Filosófico sobre o Entendimento Humano de John Locke», in Obra Completa de Joaquim de Carvalho, vol. I, pp. 301-354; Pedro de Azevedo, «Linhas gerais da história diplomática em Portugal», in O Instituto, vol. 74, Coimbra, 1927; Hernâni Cidade, Ensaio Sobre a crise mental do século XVIII, Coimbra, 1929; id., Lições de Cultura e Literatura Portuguesa, Coimbra, 1948; Diogo Barbosa Machado, Biblioteca Lusitana, t. III, Lisboa, 1933, e t. IV, 1935: António Caetano de Sousa, História Genealógica da Casa Real Portuguesa, t. I, Coimbra, 1946, t. III, 1947, t. VIII, 1951; António Alberto Banha de Andrade, «Um português que falou com Wolf», in Brotéria, vol. LII, fasc. 4, Lisboa, 1951; id., «Filósofos portugueses do século XVIII», in Filosofia, ano IV, n.º 14, Lisboa, 1975; António Salgado Júnior, «Martinho de Mendonça de Pina e Proença e a educação da nobreza do século XVIII», in Labor, ano XVII, n.º 125, Aveiro, 1952; José Sebastião da Silva Dias, Portugal e a Cultura Europeia., sep. de Biblos, vol. XXVIII, Coimbra, 1952; Rómulo de Carvalho, História da Fundação do Colégio Real dos Nobres de Lisboa, Coimbra, 1959; id., «Apontamentos sobre Martinho de Mendonça de Pina e Proença (1693-1743)», in Ocidente, vol. LXV, Lisboa, 1963; Joaquim Ferreira Gomes, Martinho de Mendonça e a Sua Obra, Coimbra, 1964; José Gomes da Cruz, Elogio Fúnebre do Senhor Martinho de Mendonça de Pina e Proença, s/d.
Pedro Calafate
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