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Rafael Bluteau
Clérigo regular teatino (n. Londres, 1638-m. Lisboa, 1734), filho de pais franceses, veio para Portugal em 1668. Estudou Humanidades no célebre Colégio de La Flèche, em Paris e, posteriormente, no Colégio dos jesuítas de Clermont. Ainda muito jovem, frequenta sucessivamente as Universidades de Verona, Roma e Paris. Os traços da sua biografia acreditam-no como um intelectual de curiosidade intensa e de saber enciclopédico, nutrido pelas suas permanentes deslocações aos grandes centros culturais da Europa do seu tempo.
A sua acção em Portugal tem sido por vezes considerada como a da iluminação de um imenso espaço cultural pretensamente entorpecido e submetido ao formalismo seiscentista e à filos. peripatética. Tal apreciação, onde se respira o conceito de «estrangeirado», nos moldes propostos por António Sérgio, não pode deixar de ser considerada, em alguns aspectos, de abusiva, não tanto pelo prestígio e mérito da actividade intelectual de Bluteau como sobretudo pela consideração apressada do nosso panorama cultural interno.
O teatino não nos legou propriamente um sistema de pensamento, deixando-nos antes a riqueza de uma efervescência intelectual que o fez participar nos alvores do iluminismo em Portugal.
Com efeito, e tal como Verney, refere-se à Física como à «parte principal da academia filosófica» (Prosas, t. I, p. 339) e encara as recentes conquistas das ciências e das técnicas como a matriz da superioridade cultural dos Modernos sobre os Antigos. Chegado a Portugal, é no movimento académico fomentado pelo conde da Ericeira, D. Francisco Xavier de Menezes, que encontra a mola propulsora da sua intervenção cultural. Destaca-se tanto nas Conferências Discretas e Eruditas como na Academia dos Generosos, enquanto divulgador da actividade científica das grandes academias europeias. Aí discorre, com fundamento de aturado estudo, sobre a Astronomia moderna e seus diversos sistemas, preocupando-se ainda com as questões relativas à «duração da terra», na altura um intenso foco de polémica.
A sua 5.ª lição na Academia dos Generosos intitula-se «Se este mundo depois de tantos anos de duração fica debilitado e perto do seu fim», rejeitando a tese da sua debilitação progressiva. Descortina-se neste seu labor a prevalência de uma epistemologia de base experimental, largamente documentada na obra que mais o celebrizou, o Vocabulário Portuguez e Latino, repositório de um saber enciclopédico e devedor dos nomes mais sonantes da ciência moderna. Reforçando a sua tendência renovadora e crítica, B. não poupará a lógica da escolástica, acusando-a de especulativa, formalista e inútil, em nome de uma orientação vincadamente nominalista.
Também no campo das actividades literárias se destacou como intermediário entre Portugal e a cultura francesa, sobretudo na difusão do magistério de Boileau, o qual virá a fornecer os cânones da crítica ao barroco literário. Finalmente, não permaneceu insensível às preocupações de carácter económico, voltadas para a reforma da vida do homem em sociedade. Disso nos deixou testemunho na Instrução sobre a cultura das Amoreiras e Criação dos Bichos da Seda (1679), onde, sobre um pano de fundo mercantilista, aspira ao fomento de uma verdadeira indústria nacional.
Obras
Primicias Evangelicas, ou sermões panegyricos do P. D. Raphael Bluteam (1676); Vocabulario Portuguez e Latino..., 8 vols. (1721); Prosas Portuguesas, recitadas em diferentes congressos académicos (1728): Sermões Panegyricos e doutrinaes..., t. I (1732), t. II (1733); Instrução sobre a cultura das amoreiras e criação dos bichos da seda (1769); Diccionario castellano y portugez (1841).
Bibliografia
A. A. Banha de Andrade, «A posição filosófica de R. Bluteau», in Brotéria, 4, I (1945), pp. 540 a 553; J. S. da Silva Dias, Portugal e a Cultura Europeia (Séculos XVI a XVIII), Coimbra, 1953; Hernâni Cidade, Lições de Cultura e Literatura Portuguesa, 2 vols., Coimbra, 1959; Ofélia Milheiro C. P. Monteiro, No alvorecer do «iluminismo» em Portugal: D. Francisco Xavier de Meneses, 4.º Conde da Ericeira, sep. da Rev. de História Literária de Portugal, vol. I, 1964; Maria Cândida M. Pacheco, «Filosofia e Ciência no pensamento português dos séculos XVII a XVIII», in Rev. Port. Filos, t. XXXVIII-II,. fasc. 4, 1982, pp. 474 a 486.
Pedro Calafate
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