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Fotografia de Serafim da Silva Neto [Leodegário A. de Azevedo Filho (org.), Estudos filológicos (Homenagem a Serafim da Silva Neto), p. 5]
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Conta-nos Albino de Bem Veiga ("Serafim da Silva Neto", Leodegário A. de Azevedo Filho (org.), Estudos filológicos (Homenagem a Serafim da Silva Neto), pp. 9-31) que, tendo Serafim da Silva Neto escrito a José Leite de Vasconcelos a pedir-lhe a referência de um livro de Hugo Schuchardt, lhe respondeu assim um Leite quase octogenário: "Agradeço a promessa de seu Latim vulgar. O que não é vulgar é latinidade em rapazola de 19 anos". Na verdade, Fontes do latim vulgar (O Appendix Probi), publicado em 1938, escreveu-o Serafim ainda aos 17. Também precoce foi a constituição da sua biblioteca pessoal - "era mais que um bibliófilo; era um bibliólatra" (Sílvio Elia). As muitas leituras - em alemão (Hugo Schuchardt, Jakob Jud, Karl Jaberg), em francês (A. Meillet), em português (Said Ali, Leite); de grego e de latim - é que formaram mais este filólogo autodidacta; e, através de Ismael de Lima Coutinho, seu professor no liceu, conheceu Manuel Said Ali e Antenor Nascentes. Inexistente então a Faculdade Nacional de Filosofia, onde já aprenderiam os linguistas que se lhe seguiram, licenciou-se em Direito; depois é que, a convite de Ernesto Faria, se tornou assistente de Língua e literatura latinas na recém-criada Faculdade de Filosofia. Pela mesma faculdade se doutorou em Letras. E aí concorreria à cátedra de Filologia Românica. Tendo esta sido atribuída ao Padre Augusto Magne, que igualmente se candidatara e era mais velho, Silva Neto só depois da morte de Magne se tornou o proprietário interino, até ele mesmo falecer, quando tinha apenas 43 anos. Nos dois últimos anos leccionara na Faculdade de Letras de Lisboa.
Em "A contribuição filológica de Serafim da Silva Neto" (Leodegário A. de Azevedo Filho (org.), Estudos filológicos (Homenagem a Serafim da Silva Neto), pp. 231-262), Sílvio Elia destaca a variedade da bibliografia de Neto: "dedicou-se à leitura e interpretação de textos arcaicos; à análise dos fatos histórico-sociais que condicionam os fenômenos lingüísticos; às pesquisas etimológicas; às indagações de campo; ao estudo das palavras e das coisas. Era igualmente perito na Filologia Portuguêsa e na Românica e conhecia como pouquíssimos o português do Brasil" (p. 233). Conforme Bem Veiga, repartiremos as principais peças da obra de Silva Neto por três grupos temáticos. São obras que se ocupam do latim vulgar o citado comentário ao Appendix Probi (Fontes..., 3.ª ed.: 1956) e a História do latim vulgar (1957), para não pôr no mesmo grupo a História da língua portuguesa, que afinal também trata o assunto em centenas das suas páginas. Mas a História da língua portuguesa (1952-1957; 2.ª ed., 1970) - "a sua obra mestra", "esfôrço enorme para ordenar materiais dispersos por numerosas publicações, algumas raríssimas, com pesquisas e interpretações pessoais do autor. É desigual, e explica-se pelas condições que envolveram sua redacção, sustada largo tempo depois de aparecido o fascículo 8.º, em virtude de delicadíssima operação a que teve de submeter-se o saudoso professor e, principalmente, da trágica morte do seu filho mais velho.
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Capa de uma das edições por Serafim da Silva Neto, Bíblia Medieval Portuguêsa
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Os capítulos referentes aos séculos XVII, XVIII e XIX foram escritos, penosamente, com a finalidade de não prejudicar por mais tempo, com o trabalho inconcluso, o benemérito editor" (Celso Cunha) - fica melhor como cabeça de um grupo de referências em torno da filologia portuguesa e da história; neste grupo estaria ainda o Manual de filologia portuguêsa (1952; 2.ª ed.: 1957) - de que muito nos serviremos nestas notícias -, que é sobretudo um relance da história da linguística portuguesa depois de 1868 (a data em que, no seu A philologia portuguesa..., punha Leite de Vasconcelos o início da filologia científica em Portugal); na segunda parte deste livro e também em Textos medievais portuguêses e seus problemas (1956), Serafim da Silva Neto, em alusões ricas de informação, aponta assuntos de investigação a fazer e dá achegas para uma didáctica da filologia; ainda neste grupo, citem-se as miscelâneas de artigos Ensaios de filologia portuguêsa (1956) e Língua, cultura e civilização. Estudos de filologia portuguêsa (1960), e as edições de textos (Diálogos de São Gregório, fascículo 1, 1950; Bíblia medieval portuguêsa..., 1958; uma versão da Regra de São Bento, 1959-60). Finalmente, uma terceira direcção dos interesses de Silva Neto, o português do Brasil e a dialectologia, pode ficar ilustrada através da colectânea de estudos Introdução ao estudo da língua portuguêsa no Brasil (1950). Serafim da Silva Neto fundou e dirigiu a Revista Brasileira de Filologia.