Sintaxe histórica (estruturalista)

Estudos tradicionais em sintaxe histórica do português

Em geral, os trabalhos tradicionais sobre sintaxe histórica do português são textos didácticos que se encontram no último capítulo das gramáticas históricas. Faltando, nas épocas em que foram escritos, teorias suficientemente explicativas dos fenómenos envolvidos na estrutura da frase, são textos em que pouco mais se encontra do que a enumeração das unidades lexicais que desde a Idade Média (ou mesmo desde a língua latina) foram perdendo ou ganhando propriedades sintácticas. São trabalhos incontornáveis no avanço do conhecimento em sintaxe histórica, dada a compilação de fenómenos arcaicos que apresentam, mas o seu discurso, de pura descrição individual das propriedades sintácticas das palavras, tem agora de ser complexificado à luz dos novos conceitos que nos veio oferecer a teoria generativa.

Uma lista dos principais textos sobre sintaxe histórica, quer tradicional, quer estruturalista, inclui obrigatoriamente os elaborados por Augusto Epiphanio da Silva Dias, Manuel Said Ali, Joseph Huber e Rosa Virgínia Mattos e Silva.


Bibliografia

DIAS, A. Epiphanio da Silva, 1918, Syntaxe Historica Portugueza. Lisboa, Livraria Clássica Editora, 1970 (5ª ed.).

ALI, Manuel Said, 1921-23, Gramática Histórica da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro, Edições Melhoramentos, 1971 (7ª edição).

HUBER, Joseph, 1933, Altportugiesisches Elementarbuch. Trad. port. de Maria Manuela Gouveia Delille: Gramática do Portugês Antigo. Lisboa, Gulbenkian, 1986.

SILVA, Rosa Virgínia Mattos e, 1989, Estruturas Trecentistas. Para uma Gramática do Portugês Arcaico. Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda.

SILVA, Rosa Virgínia Mattos e, 1994, O Português Arcaico: Morfologia e Sintaxe. São Paulo - Baía, Contexto - Editora da Universidade Federal da Bahia.

Querendo destacar as mudanças sintácticas em que este grupo de autores insistiu, não se pode ignorar o tema das concordâncias (sobretudo em número) entre sujeito e predicado e o da evolução funcional dos verbos ser, estar, ter, haver  e ir. No mais, e nos três primeiros autores, sobretudo, o que se encontra é a apresentação dos conceitos centrais da sintaxe (sujeito, predicado, complementos, adjuntos, concordância, regência, valência, ordem de palavras) ilustrados com frases retiradas não do português contemporâneo, mas de textos escritos em épocas passadas.


Sintaxe estruturalista do português arcaico
O trabalho de Rosa Virgínia Mattos e Silva

Rosa Virgínia Mattos e Silva, nas suas Estruturas trecentistas, e depois em O Português arcaico: morfologia e sintaxe, apresenta uma morfo-sintaxe e uma sintaxe estruturalistas do português do século XIV (mas com aplicação ao período que vai dos séculos XIII a XV) contrastadas, sempre que necessário, com as da língua latina e da portuguesa contemporânea. Uma súmula do seu segundo livro (no que diz respeito ao tema da sintaxe -"Sequências verbais" e "A frase", pp. 61-132) dá-nos uma ideia de como se distinguiam as frases portuguesas medievais das actuais. Utiliza-se aqui uma terminologia devedora quer do léxico da gramática tradicional quer, sobretudo, do do estruturalismo. Os exemplos são quase todos eles da fonte que a autora utiliza preferencialmente: a mais antiga versão portuguesa dos quatro livros dos Diálogos de São Gregório, um manuscrito do século XIV, de proveniência desconhecida, mas seguramente copiado em ambiente monacal na região norte de Portugal. Sempre que a fonte dos exemplos utilizados não é citada, estão em causa trechos desses mesmos Diálogos de São Gregório.


I - TEMAS “À ESPERA DE AUTOR”

Ao longo do seu texto, Rosa Virgínia Mattos e Silva vai apontando os temas de sintaxe medieval do português cujo estudo mais aprofundado lhe parece necessário (que se encontram “à espera de autor”, como diz). São os seguintes:

1. As formas tónicas do pronome pessoal (ele, ela, eles, elas) aparecem esporadicamente em posição de objecto directo. Mattoso Câmara Jr. julgou ver nessas estruturas um recurso enfático mas “nenhuma pesquisa sistemática sobre o tópico no período arcaico investigou esta questão” (Silva, 1994: 103). Veja-se o exemplo deste fenómeno que a autora encontra nos Diálogos de São Gregório: e o ermitan, pois vio ele e seus companheiros e falou com eles muitas cousas, perguntou-os.

2. As orações completivas (aquelas que desempenham a mesma função que um SN pode cumprir, i. e. sujeito, complemento, predicativo) no português arcaico parecem ilustrar arbitrariedade no uso da preposição. Uma completiva com o verbo no infinitivo e uma completiva introduzida por que parecem admitir facultativamente o recurso a uma preposição, mas não há certezas sobre o fenómeno. Ex: e pera se saber guardar do contrário que he falar mal e desaposto, a par de gram trabalho nos he de decer.

3. Ainda nas orações completivas do português arcaico, falta “uma pesquisa acurada” sobre a selecção, por parte do verbo regente (da oração subordinante, portanto), de uma subordinada com verbo em tempo finito, em tempo inifinitivo pessoal e infinitivo impessoal (id., ibid.:111).

4. A ordem dos constituintes na frase é o outro tema da sintaxe do português arcaico que Rosa Virgínia Mattos e Silva julga insuficientemente contemplado por parte da investigação. Alinha, entretanto, sete conclusões que se lhe afiguram relativamente seguras:

a) Predomina a marcação do sujeito no verbo.

b) A ordem Sujeito Verbo Objecto (SVO) predomina sempre que o sujeito é um SN ou uma forma pronominal; nestes casos, mesmo que o sujeito seja posposto ao verbo, a contiguidade continua a existir.

c) Os factores que favorecem a posposição do sujeito são, ora um verbo intransitivo, ora um complemento circunstancial a iniciar a frase.

d) Há ênfase estilística na colocação do complemento em início de frase (taaes custumes aviam eles).

e) É rara a posposição do verbo para depois do sujeito e do complemento, a não ser que o complemento seja realizado pela forma relativa que, seguida do sujeito (vertudes que os homens en este mundo fezeron).

f)  A inversão entre o sujeito e o verbo é favorecida pela presença de um pronome interrogativo no início da frase interrogativa.

5. Por último, as construções perifrásticas, estruturadas à custa de verbos auxiliares (no texto de Rosa Virgínia recebem o nome de sequências verbais), estão apenas vagamente descritas quando está em causa o contexto medieval português: "Se na análise sincrônica do português de hoje a questão do auxiliar está longe de ser consensual, mais longe de ser resolvida estará no tratamento do período arcaico do português, sobretudo por ter sido pouco explorado, por isso insuficientemente conhecido" (id. ibid.:62). As sequências verbais duvidosas são as do quadro inserido mais abaixo e a principal questão que envolvem é a de os verbos da esquerda de cada sequência (ser, haver, ter, jazer, estar, andar, ir) serem já verbos auxiliares, pertencendo, portanto, à mesma oração dos particípios, gerúndios e infinitivos que precedem, ou não. Neste segundo caso, seriam ainda verbos semanticamente plenos, e não meros suportes gramaticais das marcas de tempo, modo, aspecto, pessoa e número:

ser, haver/ter + particípio passado

Verbos intransitivos arcaicos como nascer, morrer, falecer, passar, chegar, ir, correr combinavam o seu particípio passado com ser para expressão do aspecto perfectivo (o meu filho he morto, aquele meu amigo era passado
deste mundo
). É consensual que estas sejam construções com auxiliar, mas a questão põe-se quanto ao desaparecimento de ser e à sua substituição por haver e ter nessa função a partir do século XV. Parece que o fenómeno se foi instalando à medida que estes dois últimos verbos, quando combinados com particípios de verbos transitivos, deixaram de exprimir posse. Com efeito, eles eram ainda plenos semanticamente enquanto os particípios que precediam concordavam com o complemento directo; até ao século XVI eram possíveis construções como os serviços que avian feitos a seu padre, non ousaram d'entrar na camara por a defesa que el-rei tinha posta. A partir do momento (inícios do século XV) em que começou a haver variação entre concordância e não concordância do particípio do verbo transitivo com o seu complemento, haver e ter foram-se gramaticalizando enquanto suportes de flexão e puderam vir a substituir ser nas estruturas compostas com verbo intransitivo. Mas, conclui Rosa Virgínia, "a questão dos tempos compostos
[] precisa de que se analisem mais dados do período arcaico para que possam ser considerados ou reconsiderados aspectos desse problema ainda não resolvidos" (id., ibid.:65).

ser, jazer, estar, andar, ir + gerúndio

O momento em que estas construções com gerúndio passaram a ser compostas é difícil de decidir. O sentido etimológico de cada um daqueles verbos mantém-se abertamente em algumas frases arcaicas, mas há casos em que parece estar-se já perante uma combinação de auxiliar com gerúndio:

SEDE:RE ("estar sentado") > seer > ser

aqueles que hi siiam comendo, achou monges que siiam lendo (não se pode decidir se o sentido era "estavam sentados a ler/a comer" ou apenas "estam a comer/a ler").

JACE:RE ("estar deitado") > jazer

ele jazia tremendo e ferindo a terra ("estava deitado a tremer" ou simplesmente "estava a tremer"?).

STARE ("estar de pé") > estar

estando a hũa fẽẽstra rogando Nosso Senhor ("rogando de pé" ou "estando a rogar"?).

AMBITA:RE ("deslocar-se com os pés") > andar

andava per muitas cidades e per muitas vilas e per muitos castelos e pelas ruas e pelas casas dos homẽs dizendo muitas santas paravoas ("dizia deambulando" ou "andava a dizer"?).

I:RE ("deslocar-se numa direcção determinada") > ir

mais Roma ir-s'a destroindo pouco e pouco (a interpretação de ir como auxiliar, exprimindo aspecto durativo, é aqui a única possível). 


II - PREDICADO

Quanto ao Predicado, a autora adopta uma classificação sintáctico-semântica, distinguindo os predicados existenciais dos atributivos, transitivos e intransitivos (id., ibid.:72-86)

Predicados existenciais

O verbo seer deixou de ser usado no período arcaico em favor de haver (na cidade d’Aconha foi hũũ bispo de gram santidade / Non avia padres santos). O verbo existir só a partir do século XVI passou a desempenhar função existencial. O verbo ter veio a ganhar mais tarde, mas só no português do Brasil, essa mesma função.

Predicados atributivos

Nos equativos, semelhar desapareceu do léxico. Nos descritivos e locativos, estar e andar são os que mantêm, ainda hoje, o seu emprego medieval; jazer tornou-se arcaizante e seer passou a ser usado só para atributos permanentes e não transitórios, como acontecia na Idade Média. Sobre os verbos seer e estar, convém transcrever a motivação histórica para o contraste entre os dois verbos, tal como a expõe Rosa Virgínia Mattos e Silva:

“Na sua história pregressa, estar tem como étimo stare ‘estar de pé’. Nessa acepção está documentado no português até fins do século XIV, enquanto ser tem uma história complexa de convergência dos verbos latinos sede:re, ‘estar sentado’ - nessa acepção ainda em uso, pelo menos até fins do século XIV – e esse ‘ser’. Esse fato permite inferir que o traço [+transitório] é o próprio, desde a sua origem, a estar, enquanto em ser confluem o [+transitório] de sede:re e o [+permanente] de esse. Não é sem razão histórica, portanto, que, definida a oposição ser/estar no português, foi estar o verbo escolhido para expressar a transitoriedade” (id., ibid.:77).

Quanto aos atributivos possessivos, haver tornou-se arcaizante, mas a sua variação com ter já não era livre na Idade Média, porque dependia do tipo de posse. A razão, mais uma vez, remontava à língua latina:

“A história semântica pregressa dessas formas sugere o curso dessa mudança: no latim o verbo básico para a expressão de posse é habe:re e, segundo Gaffiot […], a sua acepção primeira é ‘ter em sua posse’, ‘guardar’ e, subseqüentemente, considera, entre os ‘usos figurados – ‘ter na mão’, ‘obter’; enquanto ter […] tem como acepção básica ‘ter algo na mão’, ‘obter’. Já havia no latim, portanto, a intersecção semântica entre habe:re/tene:re na referência a algo concreto, ‘ter na mão’. Na história documentada do português, como esboçamos, os seus continuadores já aparecem em variação desde momento recuado na expressão desse tipo de posse, aqui designado por “bens materiais adquiríveis”. isto é, a posse alienável. Daí se difunde ter para os outros contextos, enquanto (h)aver se especializa como verbo existencial, descartando o etimológico ser. No correr da história, como já vimos, com (h)aver existencial entrará ter em concorrência, já até predominando em variantes faladas do português [refere-se ao Brasil], tendendo, mais uma vez, a descartar haver: no período arcaico, das possessivas e, no atual, das existenciais (id., ibid.:79).

Predicados intransitivos

Os verdadeiros intransitivos do português arcaico (aqueles em que o sujeito é a origem mas não o agente do processo expresso pelo verbo) distinguem-se dos actuais apenas por integrarem itens cuja fonética se tornou arcaizante (como berregar ou asseviar). Os intransitivos neutros, ou ergativos, em que o sujeito não é nem origem nem agente (é antes tema do verbo), podiam e podem ocorrer com o pronome se com valor puramente expletivo, continuando a função da voz média latina que se expressava nos verbos depoentes (veeron a hũũ logar / veo-se pera casa).

Predicados transitivos

A selecção de complementos preposicionados e não preposicionados é o principal ponto de afastamento entre os verbos transitivos medievais e os seus descendentes nossos contemporâneos. Na Idade Média havia variação entre gostar e gostar de, creer, creer a e creer em, entre duvidar e duvidar de. Verbos que seleccionavam preposição deixaram de o fazer passado o português arcaico, e vice-versa, para além de ter podido mudar a forma prepositiva seleccionada (confiar de foi, por exemplo, substituído por confiar em).

Dentro do próprio português arcaico podia variar, em relação a verbos como rogar e perguntar, a regência de pronome pessoal em função de complemento directo. No texto da Demanda do Santo Graal, há exemplos dessa variação (apresentados inicialmente por Manuel Said Ali): perguntaron-no que demandava / perguntou-lhe que faria; rogaron-no que lhe dissesse / rogou-lhe que lhe perdoasse.


III - SUJEITO

O que individualiza o sujeito da oração arcaica em relação ao português de fases posteriores é um conjunto de três fenómenos:

- a expressão do sujeito indeterminado que, para além das estratégias actuais, incluía mais uma, mediante recurso à forma pronominal homen

ex: de cincoenta anos adeante vai ja homen folgando e assessegando e quedando das tentações;

- a inexistência de se impessoal com verbos intransitivos (usava-se homen, precisamente); o se  impessoal apenas ocorria com verbos transitivos, funcionando como partícula apassivante

ex: todalas cousas que son e foron e an de seer, assi aquelas que se farán come aquelas que se nunca farán pero se poderian fazer.

- a variação na concordância entre o sujeito e o verbo, obedecendo a factores que podiam ser sintácticos ou semânticos:

Factores semânticos

Um sujeito composto, interpretável como uma unidade, podia ocorrer com o verbo no singular (sua mãcibia e sua fremosura o tornava en pouco siso e en vaydade – exemplo do século XV, em Vidas de santos de um manuscrito alcobacense, editadas por Ivo Castro et alii). Paralelamente, um sujeito colectivo podia concordar com o plural do verbo (muita gente que primeiramente oraran os idolos).

 Factores sintácticos

Um sujeito distante do núcleo do predicado, bem como um sujeito posposto ao verbo, são exemplos de como a ordem de palavras da frase arcaica podia perturbar a concordância entre sujeito e verbo (em na boca daquella besta eran grandes chamas de fogo que sayam pela garganta della e queimava as almas / e aos brados veo o bispo e todos aquelles).


IV - COMPLEMENTOS E ADJUNTOS PREPOSICIONAIS

Sobre a função das preposições na sintaxe latina e na das línguas românicas em geral, Rosa Virgínia Mattos e Silva escreve o seguinte parágrafo:

“De partículas acessórias para a expressão de ajuntos adverbiais que já estavam marcados pela seleção do caso morfológico ablativo ou acusativo, as preposições vão ser utilizadas, introduzindo um SN – já perdida […] a morfologia flexional nominal para a expressão dos casos ou funções sintáticas – para marcar, com exceção do SU e do OD, todas as outras funções sintáticas: complementos verbais e nominais, também os adjuntos adverbiais e adnominais. Tornam-se, portanto, as preposições elementos básicos na estrutura sintática da frase do português, como de todas as línguas românicas. São a utilização da PREP, como demarcador de função sintática, e também a ordem dos constituintes no interior da frase, mais rígida que no latim, os recursos sintáticos que funcionarão nessas línguas em lugar da morfologia casual que era suficiente para a indicação da função sintática na frase latina” (id., ibid.:90-91).

As preposições que introduziam complementos de verbos transitivos no português arcaico eram as seguintes: de, a, en, per, con e pera (oriundas das latinas de, ad, in, per, cum e  per+ad). As que introduziam adjuntos adnominais e adverbiais também são identificadas por Rosa Virgínia: de, para os adjuntos adnominais, exprimindo posse e proveniência e, por isso mesmo, frequentíssima em qualquer fase do português, mesmo na arcaica; para os adjuntos adverbiais, a autora segue a sua classificação semântica:

Origem

Direcção

Percurso

de

nasceu do li~agen mais fram e mais livre e mais rico que avia
a

veo a Roma
per

foi prelado per muitos anos
des

aqueste des sa
mancebia ouve
coraçon de velho
pera

enviaron-no pera
Roma
por

Constancio foi grande
d’aa de fora polos miragres que feze
  ata, atẽẽ, atẽẽs

falando ata a manhã
 

Associação / Exclusão

Situação

Adequação

con

dava pan con sa mão

en

aquel que en religion vivia

segundo

era mui fremoso segundo a fremosura do mundo

sen

passou sen embargo

ante (exemplo de situações anterior e posterior)

e ante seis dias que morresse

 

fora, foras

isto seya outrossi das forras, fora ende que casen hu poderẽ (Foro Real, séc. XIV)

dentro en (exemplo de situações interior e exterior)

era dentro na cidade

 

tirado

mandou que se fossen, tirado ende hũũ menĩho pequeno

sobre (exemplo de situações  superior e inferior)

a candea que sê sobelo candeeiro

 

salvo

hi non avia outras
cousas, salvo aquelas que veemos

antre (exemplo de situação intermediária)

o menĩho foi juiz alvitro antre ambos

 


V - PRONOMINAIS

Na terminologia estruturalista, que Rosa Virgínia Mattos e Silva adopta, englobam-se na designação «pronominais» quer os pronomes, quer os advérbios. Dividem-se em pronominais pessoais (os pronomes pessoais, tónicos e átonos) e pronominais adverbiais (os advérbios de lugar, tempo e modo).

Sobre os pronomes pessoais do português arcaico, a autora refere sobretudo o seu alomorfismo e as aglutinações em que as formas átonas se podiam combinar. Algumas variantes converteram-se em arcaísmos, como el para ele, mi para me, lhi para lhe, mh'o para mo, ch'o e xo para to e lhillo para lho.

Nos pronominais adverbiais, sujeitos a uma classificação semântica que os divide em locativos, temporais e modais, interessa sobretudo registar os que a autora identifica como arcaísmos:

Locativos

Deíticos e anafóricos

arcaísmo

forma sobrevivente

acá

e dá acá todalas cousas deste homen que tomasti

acó

ei ti mando eno nome de Jesu Cristo que guardes esta entrada e non leixes acó entrar homen que do mundo seja

alá

e pera saberes que ti digo verdade, afirmando que
foi no ceo, sabe que me deron alá don pera poder falar todolos lenguagẽẽs

aló

veer a cidade de Jherusalém celestial nos seus cidadãos que conosco viven e fazen ja obras daqueles que aló som

aquende


aquém

alende


além

alhur, algur


algures

nenhur, nenlhur

- Hu comestes?

- Nenlhur, padre

nenhures

hy, hi, i

e algũũs as veen por seu proveito, ca melhoran i sa vida

en, ende

non queiras tomar trabalho en ir a Roma hu el he, ca muito cansarias e gram nojo receberias ende

disso, nisso


Interrogativos

arcaísmo

forma sobrevivente

hu, u

e preguntô-os hu era o abade

onde

Temporais

arcaísmo

forma sobrevivente

ora

esto, Pedro, que ti eu ora quero contar

agora


Modais

arcaísmo

forma sobrevivente

outrossi

enton o abade deitou-se aos pees do monge Libertino
e o monge Libertino outrossi deitou-se ante os pees de seu abade

na mesma maneira

er, ar

e assi non acharon nengũũ que podessen fazer bispo, nen er ficou gente nenhũa na cidade de que fosse bispo

na mesma maneira

 
VI - CONEXÃO DE FRASES

As estruturas que Rosa Virgínia Mattos e Silva aborda sob este título são, sobretudo, as da subordinação e da coordenação.

Subordinação - Em primeiro lugar, trata a autora das subordinadas que na terminologia estruturalista se chamam completivas (aquelas em que a oração subordinada pode ser sujeito, complemento ou nome predicativo, ou seja, em que tem as mesmas funções sintáticas que um SN pode desempenhar).

O que constitui contraste entre o português arcaico e o contemporâneo resume-se, neste tema, à variação (fraca) entre que integrante e ca (ca começa a desaparecer logo no século XV) e à existência de conectores, ou conjunções, com valor temporal (hu) e de qualidade (quegendo/quejando), que também se perderam:

ca integrante

hu integrante

quegendo integrante

di-lhe ca eu bevo
a poçonha

non sabemos hu
nós somos

ouvi e aprende
quegendo foi dentro
en sa alma


Quanto às subordinadas relativas, que desempenham a função de um adjunto adnominal oracional e são introduzidas por um pronome relativo (aquele que recupera anaforicamente um antecedente), também aqui há formas que se tornaram arcaizantes: outra vez ca, hu e ainda cujo, que na Idade Média, além de determinante, podia ser núcleo de um SN:

hu relativo

cujo relativo (em função substantiva)

levaron-no per aquel logar hu ardia
a cidade

e o nobre Venancio cuja era a vila


Também o emprego de qual relativo se modificou: por um lado, podia dispensar o determinante, se bem que o par o qual também pudesse ocorrer (tan gram prazer qual non poderia recudir de nen hũa cousa temporal); por outro lado, podia surgir num emprego enfaticamente anafórico e demonstrativo, seguido do mesmo nominal que já o antecedia (e vio a ssombra da carne que levava na boca, a qual sombra parecia a elle que era duas - exemplo do século XV, do Livro de Esopo).

Quanto à ordem de palavras, nestas subordinadas ela podia deixar de ser directa pela extrapolação do relativo, assim separado do seu antecedente pela introdução de um ou mais constituintes (e por esso diss'el que aqueles juizos de Deus  pronunciou el que sairan ja da sa boca).

Depois das subordinadas completivas e das relativas, considera Rosa Virgínia as subordinadas circunstanciais, cuja função sintáctica é de adjunto adverbial oracional: são, semanticamente falando, as subordinadas temporais, causais, finais, modais, consecutivas, condicionais e concessivas. Os conectores que as introduziam no período arcaico puderam, mais uma vez, cair em desuso. Vejam-se os temporais desaparecidos (alguns apenas por mudança fonética): des que, des quando, d'hu, ante que, mentre, ementre, dementre, dementres, domentre, sol que, toste que, depós, depós que, empós que, ata que. Dos conectores finais, desapareceu por tal que (enviou 6 fraires ao reino de Marrocos por tal que pregassen a santa (Huber, 1986:491); dos modais, en guisa que e en tal que (caeu con el e logo lhi quebrou a perna en guisa que o osso se partiu; quis dar a seu filho molher manĩha en tal que fosse acabada a promissa que Nosso Senhor prometera). A forma guisa também integra um conector arcaizante, de valor consecutivo, en tal guisa que. Do elenco dos restantes conectores exclusivos do português arcaico (ora fonética, ora lexicalmente), considerem-se ainda:

conectores condicionais arcaicos

conectores concessivos arcaicos

conectores finais arcaicos (em construção infinitiva)

conectores causais arcaicos (em construção infinitiva)

si

e ssi este for
morto sen
semmel, o maior filio agia o reino
(séc. XIII, Testamento de Afonso II)
macar

eu cuido que me non possades
valer ja, macar
vus queirades

(Huber, 1986:501)
pera

non dizes tu
esto senon pera non fazeres o que te homen roga
per

ca todas aquelas vezes que nós
per muito cuidar saimos fora de nós caemos en tan grandes cuidados
  pero

e tanto creceu a agua derredor da eigreja e pero as portas da eigreja estavan abertas
e a agua
corresse
derredor, non entrou dentro na eigreja
 

 

 
Coordenação - As orações coordenadas que, ao contrário das subordinadas, não são dependentes, iniciavam-se na Idade Média por algumas conjunções coordenativas que não mais se empregaram:

Coordenação disjuntiva

coordenação opositiva

coordenação conclusiva

coordenação explicativa

vel

que romeu en Salas vel a
santos seus altares hũa oferenda desse
(Cancioneiro medieval)
pero

de e por amor de Deus dade-lhi
que cómia e que
beva, pero sabe Deus que morto he
ergo

e pois o Padre e o Filho e o
Spiritu Santo son hũũ Deus e hũa sustança. Ergo porque o filho de Deus disse que verriã eles o Espiritu Santo?
ca

padre, aqueste
por que me tu rogas vejo eu
que non he monje, ca o seu coraçon junto anda con
os enmiigos do linhagen d'Adam