O cinema português, já centenário, vem existindo como uma aventura que, através da sua sobrevivência, tem sobretudo buscado uma identidade. Com fluxos e inflexões, roturas ou viragens, entre o documental e o entretenimento, a realidade e o imaginário. Polémica embora, haveria a convicção de ser - como característica essencial - uma gestação ou actividade sempre subsidiária: de algo ou da respectiva ausência, de um flagrante ou de ficções, até da própria precaridade em que se virtualiza. Desde que assumiu a representação, já nos princípios do século passado, a literatura tem sido um elemento decisivo: como inspiração ou limite, para jovens ou veteranos realizadores.
Entre crises e casos, singularidades e euforias, este cinema nosso sobrevive, pois, a uma existência secular, superando-se numa indústria precária pelo engenho artístico ou pela motivação testemunhatória. A especificidade do olhar que assim resulta, tem desvendado, nos últimos tempos, nóveis surpresas de autores em revelação, e obras notáveis daqueles que já se consagraram. Sem distorcer a tal identidade cultural, a comparticipação europeia vem favorecendo outras oportunidades, tecnológicas ou até comerciais, preparando-nos para um desafio amplo sob o signo dos audiovisuais.
Diversos modos e modelos, distintos meios e conteúdos. Mas, paralelamente, persistem a vocação primordial ou a experiência assumida, por realizadores cuja obra feita escapará ao grande público - pela passagem do tempo e a sua escassa manifestação; ou pelo seu envolvimento noutras áreas e na formação teórica. Para o panorama actual, muito têm contribuído a qualidade das obras, o aliciante das propostas e a intervenção activa das televisões - apoiando a produção, promovendo a difusão. Mas os espectadores também contabilizam já um tal envolvimento - em que, pela sua muito expressiva relevância, assumem uma importância primordial.
José de Matos-Cruz